TRÊS

 

PONTEADOS

 

E UMA

 

SABENÇA

 

 

 

 

1º Edição de

Três Ponteados e uma Sabença.

 

 

ã Copyright 2002, João Filho.

Direitos cedidos pelas Edições Falência do Indigente Ltda.

 

 

Revisão

Jaqueline Martins Fernandes.

 

Digitalização

JL Comunicações Ltda.

 

Capa

Balaio – Fotografia – Edmundo Brandão.

       

 

FILHO, João Batista Fernandes. Três Ponteados e uma Sabença. Bom Jesus da Lapa: 2002. Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violação da Lei nº 5.988.   

      

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

 

 

 

Louvação ao Morão di Privintina..................................07

 

Azougue.............................................................................12

 

Graciliana Ou O Princípio Amargo do Seco........................17

 

Num falando cum pouco ensino....................................22

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para

Adenilton Sena

Everaldo D’lacart

Gilvando Fraga

Orlando Fraga

Oswaldinho

Paulo Araújo

Paulo Gabiru

Roberto Góes

Ronaldo Maciel

Zeca Bahia,

Poetas e Trobadores

do Sertão Perdido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Morrer à traição? Cornos!” Foi foi uma suscitada, o Pedro se estabanando. Espera! Zape, pegou o Ivo, deu com ele no chão, e já arrependia o Martinho no parapeito, o arcou, rachou-o. E vinha no Nemes, de barba a barba com, e num desgarrão o Nemes era achatado. – “Toma, cão! Viva o Nomendomem!” Uns com os outros se embaraçando, travados, e Pê com medonhos gritos moronava por de entre eles, beligno – eh, Rei, duelador! – e mal o Lualino gambetava, quem levava o impeito era o Veneriano, despejado lá em baixo, nos poços, e a cabeça do Zé Azougue sucedia como um ovo debaixo dum martelo, e o Lualino fugia longe, numa raspada, o Jovelino caçava de se esconder, o Ivo gritava! E Pedro Orósio, num a-direita, pisava o Jovelino, metia o pé; o Ivo gemia, não agüentava o agarre. Os outros, não havia mais. Então Pê-Boi suspendeu o Ivo no ar, vencilhado, seguro pelo cós, e tirou da bainha a serenga, e refou nele uma sova, a pano de facão, por sobra de obra. Daí, trouxe a cara do Ivo a olho, esse tremia, fino, fino. E quase tornado a si de sua surreição, Pedro Orósio se recompunha, menos exato, perto de rir. Conforme ainda perguntou:

-        Que foi, Crônhico?

-        “Perdão . . . Perdão . . .” – O Ivo mal gemia, em desgovernos, e apertava fechados os olhos. Pê-Boi riu:

-        Terei matado algum? – perguntou, balançando o Ivo mansamente. – Cachaças . . .          

Mas o Ivo agora arregalava os olhos, e tanto tremia, mole e sujo, que nem uma coisa, bichinho, um papa-coco ou um mocó. Com asco, com pena, então o depositou, o depôs, menino, no centro do chão.

        Daí, com medo de crime, esquipou, mesmo com a noite, abriu grandes pernas. Mediu o mundo. Por tantas serras, pulando de estrela em estrela, até aos seus Gerais.”

                João Guimarães Rosa – No Urubuquaquá no Pinhém – “Corpo de Baile”. 

 

 

1

LOUVAÇÃO AO MORÃO DE PRIVINTINA

 

 

 

 

É Ojasso Margoso

farinhando seu sustento

na curva da duna

alinhavando lamento

na lombada da ponte

todo esforço é nulo

bovinamente bolando

a touceira e o pulo.

 

 

 

É fundura de cova

que tatu não se arrisca

e todo o seu incêndio

no meu capim é faísca

escancarada feito retina

em noite defunta

chumbo espalhado no ar

quenãoseajunta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É Ojasso Margoso

farinhando proveito

pois a desavença o empurra

prum buraco estreito

a míngua é muita

a cama-de-quiabento

na estirância seca

desse campo restinguento.

 

 

 

Corpo boiando sem peso

na desausência do farto

feiúra pra mais de metro

abarrotando seu quarto

É Ojasso Margoso

garantindo guarnição

raspando até escama

de traíra, lambú e azulão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É nêgo Bizuíto bizorando

no borralho da quebrada

gamela d’astúcia cheia

por todos ignorada

mas não se fie fidalgo

em luz de ponta-de-faca

da treita sua folia

das tripas sua capa.

 

 

 

O tempo nos assalta

com bala, ruga, confissão

carpindo, curvo, coxo

agregado no gibão

agentingole sapo

sapo, já engoliu brasa

e vai anjo gago, demente

depenar sua própriasa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tira fina de córgo

vencendo lajedo

na embolada ladeira

malocando seu medo

avesso a ferro e lonjura

enfurecido engodo

comido pela metade

mas já morrido de todo.

 

 

 

Tá no eito largado

sem riso cuia ou lenha

larga logo um gemido

feito cadela prenha

mas é liso gongazeiro

evita beco, barulho

sabe que meganha é guariba

e pocomã engolintulho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nos vasos magros do mês

lambança deu embolia

sobrou as estacas do cercado

cruezas de casa vazia

desusos dum déu de desejo

de velhas usanças

despejo de verbos alheios

no meio da contradança.

 

 

 

Pipocam clarões

no lado esquerdo das esquinas

Tõin gongá releva

mas já não tarantina

o que vai dentro da treva

côa sua resina

é zabelê ciscando rumo

no descompasso da chacina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2

AZOUGUE

 

 

 

São casebres de seca

morada de ferrugem acesa

de encardida pilastra.

Leva fome em fartura

aflora medo e nervura

feito incansável madrasta.

 

 

 

Avança vereda adentro

tocada por sanha e fogo

em azougue desenfreado:

 - urubu, caroá, desmazelo

arrasando dente e cabelo

em convulsões de drogado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cão farejando moita

flecha procurando escuro

bicho procurando escora.

Carrega sujo e estopa

da sola a barriga oca

carrega o que o devora.

 

 

 

Carrega fábula e fadiga

carrega manhãs aflitas

no bojo da boca magra.

Na gaiola das costelas

ponta de pele amarela

que esfola feito praga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intoca seu sal e adaga

no fojo que o sol atiça

sabe na brenha a fonte.

Lá fora esperneia à tarde

sem seiva, acama e arde

nos baixios depois do monte.

 

 

 

Mas mantrichã amou curiango

numa peleja sem valia

e despencou na incerteza.

Lá onde o vento encurva

pra vista ficar mais turva

e o corpo ser fera presa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É porele que a noite vaza

melando tudo de preto

furando osso em algia.

Noite que trabalha sua bala

bruto buraco que cala –

feira, viatura e pedraria.

 

 

 

Perceba quando a poeira sobe

ressecando o já ressecado,

é a invalidez que soluça.

Porta gemedeira que emperra

prole perdida que berra

santo que na beira do caos, debruça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É límpida a lâmina da lua

depois que a poeira assenta

e o tinhoso de capa passeia

em tudo deixa sua resina

mistura de enxofre e benzina

atrofia, assombra e tapeia.

 

 

 

 

Aqui o castigo fez abrigo

o que temos cabe num prego

e desvelo chamamos gastura.

Aqui gavião se despedaça

o que vive,  vive por pirraça

lanha lagarto e  anum se anula.

 

 

 

                                                                                         

                                                        

                                      

                                                                      

 

 

 

 

 

3

    GRACILIANA

 
 Ou

 

    O Princípio Amargo do Seco

 

 

 

Meio-dia. O verbo seca na sombra,

o sol salga com lapadas lentas

o solo gretado que sangra a sola;

hora que a soalheira é tão cruenta

que a própria vertigem arrebenta

e o tempo vem à porta pedir esmola.

 

 

 

Seco instala no poro um pó preto,

treiteia e na tripa arma sua rede;

seco que suga sabugo e degenera,

e não é retórica vazia, venha e vede:

apesar da amplidão da luz, uma parede,

emparedando seiva & zerando fera.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seco é quipá grimpando a sotavento,

crespo é sina armando seu boiz,

cardo é ritmo de ruptura e rezinga,

seco aqui é idéia que se maldiz

vai escancelando caduca cicatriz,

o porvir, presente e pretérito, xinga.

 

 

 

Porisso a palavra seco não foi ainda

devidamente desfatada, seu uso repele;

se tocada, a superfície é lenhosa,

farpa sucede no olho que impele,

(aqui, talvez, um luciferino se revele)

seco engancha na goela e a goela grosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Porisso no tabuleiro o caniço físsil,

agulhando. Nas beiras o tato é cortante;

seco, apesar de parado, procura rixa:

no plástico, no flandres, no instante

 em que areia é moída por sede errante,

deixando sedenta até lagartixa.

 

 

 

Seco grimpa na grés, o quê? só Deus sabe,

seco negreja na nascença, desampara;

reduz o fóssil a ferrugem, desnorteia;

(veja a linguagem – ao poeta é cara)

seco é áspero, a própria planície vara,

antes que vingue, ele disseca a veia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Salitre de seco petrifica as vísceras,

confere ao colérico certa paralisia;

tenha uma idéia de como peçonha:

em borda calcária traça assimetria,

é no esgar que goza câimbra e fia

sua urdidura de madrasta medonha.

 

 

 

Mas seco não gasta – reentranha casca,

se no desuso arquiteta seu provento

é áspero e aparenta sempre fratura,

vagaroso, parado, quase sem valimento,

esgalha dores grampeadas no vento,

    e do rasgo na retina, nega a sutura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seco não é estio, é estado. Fornalha

inalterável. Seco – matéria incendida.

seco-sibila entre o garrancho do umbu,

afia sua fome na folhagem fendida,

com vento delgado fatiando a ferida,

dissecando no ar carcará & urubu.

 

 

 

Meia-noite. Seco sacramenta sua sanha,

porém sua sanha é sonsa, mas sustenta

 um cabedal rigoroso de vida, virente;

exato: ali nada sobrevive, se agüenta,

porém é tudo enterrado até a venta 

e tudo tenta traduzir sua semente.

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 
NÃO FALANDO CUM POUCO ENSINO

 

 

 

Esses são tempos de carcomença

de dar dor na goela até o talo

de fazer latir mula e cavalo

tempo que espanca o espinhaço

de tudo quanto é catrumano

da espiga só deixa o bagaço

e pela culatra faz sair o cano.

 

 

 

 

Esses são tempos de catrevage

onde a quizila é um refrigério

dicumezim um grande mistério

faz livusia se amoitar num canto

secura tanta que racha o pote

carcará se converte em santo

 e rasga navalhas pra mais um mote.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esses são tempos de caminhadeira

onde beata desacredita da crença

espia só que até calango pensa

num jeito de vesperar miorança

pois é tempo de fadiga e trapaça

besta-ferando, este tempo avança

espalhando tudo quanto é desgraça.

 

 

 

 

Macambira anda pedindo arrego

unha-de-gato arranhando brisa

só cobra tá com a barriga lisa

na rodia pra melhor lançar seu bote

nessa feitura é que o cancro come

gavião não aventura caçote

 em espiral desfartura e some.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não falando cum pouco ensino

aos senhores da valia e da prensa 

onde dona-do-corpo é uma doença

que faz estancar a flor da jitirana

é menino de perna fina e cabeçudo

é casa, cama, canteiro, membrana

quando menos espera, suja tudo.

 

 

 

 

Repare que nem reza funciona

pra estancar todo esse enxurrio

vai a penúria desfiando seu fio

e costurando agonia na bruaca

azedume é o que tem pra agrado

 tempo onde até o tempo empaca

nem anum pra canja é dispensado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desce lasca de sol do céu pra baixo

ferrando lombo de vivo e morto

pode ser espírito bom ou torto

qu’ele não perdoa e desfere seu tapa

faz desvaler inda mais o lostiba

palmo de sola esquece o mapa

 na boca-da-noite onde a lua briga.

 

 

 

 

Aroeira não agüenta e enverga

no terreiro em trevas, cão se dana 

angústia retorcendo, se auto-esgana

no alpendre da carcomida casa.

numa gamela transtorno se lava

duma janela a paisagem vaza:

onde a lua sua própria cova cava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esses são tempos de osso e pelanca

bicho-fome já carcomeu o tutano

de rebarba inda planta desengano

na terra podre debaixo do jirau

imbuzeiro não diz nada, nem nega

ingazeira racha, faz truvejar pau

carrapato do lombo se desapega.

 

 

 

Nascido em cama-de-cobra, calejado

sabedor que a morte é entrevada

que só anda nas matinas especada

não d’assunto pro triste que deixa

só penúria e avareza na capanga

boca suja que só babuja queixa

de bofe azedo e azuretada zanga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nascido desacismado e virulento

pois é sabedor da perfídia e da usura:

que a virtude e o desapego tritura

cresce tanto que mastiga o dono

e começa roendo a beira da calça

tirana, ainda deixa como abono

descobrir que é tudo idéia falsa.

 

 

 

 

Pois valsa usura muita poresses sítios

usurentos andam de venta fechada

pra não gastar a vida malajambrada.

são esses que fazem chiar a ratazia:

pelada, de rabo cumprido e andaço

espalha seu fudum pela cercania

 roendo as dobras do mês de março.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alento – é pai ingrato e judiador

dentro do açude põe cumprida jibóia

na dispensa prepara sua tramóia

 carunchando a braúna da viga

de esterco seco faz o chão do curral

ruindade tanta que até Deus castiga

e põe na ferida dois dedos de sal.

 

 

 

 

Pois que é sabedor, mas não pode a cura

na unha desbrava carrasco e enfeza

até corisco e suçuarana lhe preza.

pois de presença e sugesta tá farto

pois que costura de pedra, desprega

mergulhando em becos e quartos

e só em diabólicos mares navega.

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É daqueles poucos na lisura desses tempos

 não refuga o que monstro renega

pois da secura transborda uma adega

já cancelou tudo quanto é malogro

já fez ressumbrar desastre e desdita,

e apesar das zagaias de cada jogo

 na garganta pára, e não precipita.

 

 

 

 

 

Quem degustará cada artéria, cada osso

e dos restos fará uma ceia solene?

(isto apenas para que se pene

um minuto de vagarosa sevícia)

quem lavrará seu testamento?

(dissimulando delicada carícia)

assinando sina em folha de vento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os aflitos caninos que degustarão

seus farrapos, fala, farpas, frieiras

sua cabeça debaixo duma goteira

gotejando o momento do berro

que não sairá, pois de bruto implode  

e entorta e revira o que era ferro,

quer retalhar a alma, mas não pode.

 

 

 

 

Miasma que se alastra e fede tudo

pedaço por pedaço até a cambraia

surra seu rebento, te aplaude com vaia,

porém antes da queda tem uma tarifa:

nunca terá o que desejou ter possuído

 na soma da memória vai tudo à rifa,

 virá uma vontade de nunca ter nascido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ainda não se narrou em que calabouço

 ficarão os trapos de sua carniça

não foi falta de modos, nem preguiça

da pena que relata esse tempo corrosivo

que tora as tiras da lira de Orfeu

é que dentro do motivo está o motivo:

o paquete não virou, mas lucro não deu.

 

 

 

 

Por isso esses são tempos de catrevage

é o sobejo depois do longo descarrego

onde voz nenhuma teve ou terá sossego

pois nunca haverá brecha, nem parede

no vazio em que continuarás caindo

 e caindo vai dando esmero a sua sede

na sabença do seu pouco ensino.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTAS

 

        1º Ponteado: Privintina é a corruptela de prevenir, prevenção. Nos tempos d’antanho no médio São Francisco era aquele mourão que demarcava as terras. Assim diz a irônica prosódia popular dos beleguins da época: “Segues pelo beiral do são Francisco, rumos adentro, até onde direito tiveres”. Ojasso Margoso é uma já falecida figura da família Araújo de Bom Jesus da Lapa. O mote do morão di privintina foi dado ao autor pelo músico/compositor Paulo Araújo. Nêgo Bizuíto e Tõin Gongá são figuras reais. Gongazeiro aqui designa o típico malandro barranqueiro. Tarantina é palavra emprestada do poeta Haroldo de Campos. Todas as imagens absurdas, assim como a grafia das palavras e suas várias conotações, não só desse como dos demais poemas, vão por conta e risco do autor.

       

2º Ponteado: Curiango é pássaro. Preferi esta grafia para mantrichã. Algia aqui é dor aguda nos ossos.

 

3º Ponteado: A composição desse poema é uma tentativa de captar a difícil paisagem caatingueira. Graciliana é minha paga sincera ao romancista Graciliano Ramos. Princípio amargo está aqui como glosa científica. A feitura deste poema deve muito à “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Adianto: Meio dia é o ápice do nosso sol causticante. Soalheira é reiteração. Quipá é vegetação rasteira. Sotavento aqui é ir à direção contrária do vento. Boiz é armadilha para passarinho, e é uma palavra oxítona. Desfatado é tirar o fato, as vísceras. Plástico e flandres não estão aqui como mera figuração plástica, é na verdade, o que vem acontecendo com o sertão, cada dia mais entulhado de lixo. “Grimpa a grés”: Grés é o mineral que forma boa parte do sertão: arenito. Grimpa aqui significa procurar minuciosamente. Está conotação, creio, não está dicionarizada.        

 

Sabença: Vários vocábulos deste poema foram desentranhados de mestre Edilberto Trigueiros no seu “A Língua e o Folclore da Bacia do São Francisco”. A edição utilizada foi da Funarte/1963. Carcomença aqui designa o destrutivo. Catrumano é homem rústico. Catrevage aqui é o inutilizável. Dicumezim é o mínimo de comida. Rasga navalhas é palavra dúbia: designa tanto a ave, como pode significar a imagem em si. Caminhadeira é a designação barranqueira para diarréia. Rodia (pronuncia-se “rudia”) é a posição que a cobra fica quando ameaçada. Lostiba é indivíduo imprestável. Cova cava é também encontrável em Glauco Mattoso, só que no plural “covas cava” (www.uol.com.br/glaucomattoso), mas a feitura do poema se deu antes da leitura de Glauco. Ratazia é neologismo. Neste poema há duas vozes: uma é neutra, a outra que surge inesperadamente é o eu lírico se retratando. Fudum aqui é mau cheiro. Creio que não está dicionarizado com esta conotação.