José Régio

Adão e Eva

Olhámo-nos um dia, E cada um de nós sonhou que achara O par que a alma e a cara lhe pedia. - E cada um de nós sonhou que o achara... E entre nós dois Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente, ... Se deu, e se dará continuamente: Na palma da tua mão, Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado. - Meu nome é Adão... E em que furor sagrado Os nossos corpos nus e desejosos Como serpentes brancas se enroscaram, Tentando ser um só! Ó beijos angustiados e raivosos Que as nossas pobres bocas se atiraram Sobre um leito de terra, cinza e pó! Ó abraços que os braços apertaram, Dedos que se misturaram! Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri, Sede que nada mata, ânsia sem fim! - Tu de entrar em mim, Eu de entrar em ti. Assim toda te deste, E assim todo me dei: Sobre o teu longo corpo agonizante, Meu inferno celeste, Cem vezes morri, prostrado... Cem vezes ressuscitei Para uma dor mais vibrante E um prazer mais torturado. E enquanto as nossas bocas se esmagavam, E as doces curvas do teu corpo se ajustavam Às linhas fortes do meu, Os nossos olhos muito perto, imensos, No desespero desse abraço mudo, Confessaram-se tudo! ... Enquanto nós pairávamos, suspensos Entre a terra e o céu. Assim as almas se entregaram, Como os corpos se tinham entregado, Assim duas metades se amoldaram Ante as barbas, que tremeram, Do velho Pai desprezado! E assim Eva e Adão se conheceram: Tu conheceste a força dos meus pulsos, A miséria do meu ser, Os recantos da minha humanidade, A grandeza do meu amor cruel, Os veios de oiro que o meu barro trouxe... Eu, os teus nervos convulsos, O teu poder, A tua fragilidade Os sinais da tua pele, O gosto do teu sangue doce... Depois... Depois o quê, amor? Depois, mais nada, - Que Jeová não sabe perdoar! O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada... Continuamos a ser dois, E nunca nos pudemos penetrar!


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Remetido por Victor Almeida victalm@telepac.pt