José Pedreira da Cruz
A menina dos olhos
Somente depois de vinte anos de
matrimônio, é que seu Alfredo e dona Adélia foram agraciados com a
vinda da primeira filha, amavelmente batizada com o nome de Laura.
Ela chegou entrelaçada de afago, afeto, amor, e de um indescritível
mimo reverenciosamente dispensado àquela criaturinha de olhos cor de
anil e de pele macia tão quão pétalas de dália.
Ela era a graça do lar.
Aquela casa nunca mais seria a mesma como antes, pois a felicidade
impregnara-se no ar tal como o perfume do sândalo, e toda alegria
era pouca para aquele casal, que apesar de seus cinqüenta anos de
vida, sentiam-se juveníssimos e apaixonados pela graciosa filha que
viera ao mundo tal como uma abençoada dádiva da Natureza. Estavam
eles, pois, radiantes de luz e prazer com a pequena Laura, que só
lhes davam a razão do bem-viver.
Mas o tempo foi curto para aquela alegria, pois quando a bela menina
começava a desabrochar sua graciosa feminilidade juvenil, surge-lhe
o primeiro namorado, e um grande sentimento invade o seu meigo
coração, que, movida por uma imatura paixão, entrega-se ao prazer: o
que lhe proporciona uma inesperada gravidez, a qual veio abalar toda
estrutura de afeto que antes lhe era dedicada; e sua vida,
preenche-se, apenas, na mais absoluta tristeza.
A voluptuosa paixão que, há pouco, transbordava no coração de Laura,
agora se transforma na mais perversa desilusão, e o seu grande
sentimento de amor estava ferido na sua plenitude.Turbulentos meses
se passam até que nasce a graciosa Laurinda, que veio ao mundo
ladeada de mimo tal como chegara sua própria mãe. E a história se
repete.
Com a alegre chegada da querida neta, seus avós conquistavam mais
uma vez o doce prazer de viver, e passam o tempo a admirar a beleza
daquela criaturinha de cabelos dourados, de adorável sorriso e de
olhos brilhantes como estrelas e, felizes, diziam ser ela a cópia
fiel da própria mãe.
A netinha foi crescendo agarrada aos avós, que lhes davam a
segurança de verdadeiros pais, uma vez que a mamãe Laura a deixara e
preferira seguir mundo a fora.
Quatro anos se passaram e um imenso amor estava enraizado entre a
neta e os avós; estes, já um pouco debilitados, viviam a tomar
remédios para o coração e temiam pelo futuro da netinha, que não
tinham mais ninguém para cuida-la.
Certo dia o destino mudou o rumo daquela linda história de amor. Foi
quando um homem parou o seu caminhão frente à casa de seu Alfredo, e
este foi dar-lhe uma informação, tendo tão logo retornou para casa.
Passados alguns minutos, seu Alfredo sentiu falta de Laurinda, ela
deve estar escondida nos armários, disse dona Adélia, pois era
costume da mesma se esconder. Procurada em todos os lugares, só
restava a rua, e, ao chegar ao portão, seu Alfredo teve um enfarte:
lá estava Laurinda esmagada no meio da terra. Ela, gracejando,
escondera-se do avô sob o pneu do caminhão.
Dona Adélia, desesperada, também enfartou.
Aquele foi o dia mais triste de todos, e toda a cidade, chorosa, se
enlutou.
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