J. Santos Stockler

A Força Humana
 
 
            Numa edição que prestigia não só a empresa editora da obra como também as próprias artes gráficas brasileiras, quer pela impecabilidade da sua  impressão, que pelo esmero do seu aspecto gráfico, quer, ainda, pela validade artística das ilustrações do texto, composta por um  conjunto de 11 desenhos todos eles a todo o formato da página, da autoria do pintor Píndaro, publicou o escritor Álvaro Pacheco, poeta já considerado e credenciado tanto pela crítica como pelos maiores da poesia brasileira de entre os quais destacamos o  nome do grande mestre no ofício poético que é Carlos Drummond de Andrade, o seu quinto trabalho, obra que vem enriquecer ainda mais a Poesia Brasileira dos nossos dias, dado o estilo próprio do seu autor e o seu poder criador, que abarca desde a beleza formal à riqueza da linguagem.

            E quanto ao título, "Aforça Humana", que condiz com toda a problemática incluída na obra, diz-nos Rubem Fonseca, logo na página 5: "não há limites para a força humana".  E realmente é assim mesmo: A força humana, sendo a força real e positiva da vida é, ao mesmo tempo, força aniquiladora da própria vida!  Pois sendo ela dos arranha-céus, ela é,  também, a sua maior força destruidora!  E é precisamente isso mesmo que vem acontecendo, infelizmente, desde o princípio do mundo até aos nossos dias, pois que apenas nos matamos para viver, sem nos darmos conta de que coabitamos na Órbita do empréstimo, este mundo louco onde matamos a felicidade, razão e cegueira de toda a existência que procuramos mas que não temos e nem mesmo jamais alcançaremos, por mais estranho que isto nos pareça, por culpa da tal força que é vida e morte ao mesmo tempo, apenas por culpa do homem, que em vez de utilizar a força do bem utiliza a força do mal como alavanca poderosa do seu egoísmo, acabando, na maioria dos casos, por se destruir a si próprio, de endoidado que anda com aquilo que por vezes não se precisa.

            Mas este não é o caso do poeta Álvaro Pacheco, pois que este apenas utiliza a força recriadora do belo, através dos seus cânticos de mortal em busca da felicidade, a única fonte do Sonho, da Beleza e do Amor de que a Humanidade necessita, para retempero das forças físicas-científicas que o tempo lhe vai comendo em cada dia que passa!  E é em torno dessa felicidade, desse Sonho, dessa Beleza e desse Amor que todos procuramos mas não temos nem jamais teremos, por culpa da maldade humana, que esvoaça toda a poesia de Álvaro Pacheco, é em prol dela que ele emprega toda a  sua força pensante e criadora, desejo de fundir o Belo no  Sublime, única razão e preocupação de toda a nossa existência, essa mesma existência que pisamos hora a hora com a própria consciência, quando existimos como pétalas da Beleza e da Recreação, por ser esta a nossa única missão de folhas perdidas no reino do empréstimo, este mundo louco  onde não passamos de meros fantasmas de nós próprios, sempre de olhar fixo no eterno Nada que somos!

            Sim, a poesia de Álvaro Pacheco é uma força criadora e recriadora ao mesmo tempo, pois apenas pende para a recriação do Belo.  E como prova de que esta nossa imagem está correta rigorosamente exata, mesmo, apenas daremos aos nossos leitores uma pequena mostra da grande validade poética de Álvaro Pacheco, ou seja a transcrição do poema de abertura da obra, na qual a força humana do autor apenas é posta ao serviço da Poesia e do Homem, ou seja em prol da recriação do Belo e do Amor:

                     Poesia trigésima Sexta

                                    Tenho trinta e seis anos
                                    e não terei trezentos e sessenta
                                    (dias de luz) — e assim
                                    como enfrentar a eternidade
                                    sem esta esperança de futuro?

                                    Tenho trinta e seis anos
                                    e muitas dores para a morte
                                    e jamais darei os passos
                                    para a alegria total.

                                    Tenho trinta e seis anos
                                    e a neve que cobriu minha cabeça
                                    apenas caiu em flocos num país estrangeiro
                                    não foi curtida nos passos infatigáveis
                                    pelas trincheiras eternas,
                                    — não cresceu, caiu apenas de repente
                                    nada em mim cresceu
                                    tudo foi súbito e de repente
                                    tudo sôfrego e espasmódico

            Já nasci maduro
            e mesmo que viva um século e mais trezentos dias
            ainda morrerei verde, bem verde
            por não ter podido dar todos os passos
            e cumprir as minhas vigílias em todas as fronteiras
            sobretudo nas do amor
            e nos infatigáveis desígnios da alegria".

            Gostaríamos ainda de transcrever o seu belíssimo poema "O Homem de Acrílico", um dos pontos altos da poesia deste poeta, mas dada a falta de espaço e a extensão do mesmo, limitamo-nos a aconselhar a sua leitura, assim como esta obra do poeta Álvaro Pacheco, pois o seu próprio título "A Força Humana", dá-nos, por si só, o poder da força criadora do autor, nos domínios da palavra.

 
                                                                                                                               1971

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  22  de  Julho  de  1998