Luís Amaro


A Teixeira de Pascoais

1 Tudo a noite transforma. A verdade das coisas está perto E, o silencio fala Com as sombras da nossa alma, iguais As sombras dum jardim lunar Com árvores e flores Que refletem nossa paisagem íntima. Imagem do silêncio, Ó fonte do meu sonho, recolhida E imersa na penumbra ... Longe, uma tristeza irmã abre-me os braços Onde tudo me diz O sentido da vida! 2 Lá vem a noite... As sombras Invadem já meu coração sozinho, Tocado de mistério e de silêncio, Ferido de remorso e nostalgia. Lá vem a noite, e traz consigo O abandono absoluto, o esquecimento, O contato mais íntimo das coisas Que nos povoam e sobressaltam. Lá vem a noite... E eu, desamparado, Defronto enigmas e desfio lembranças Da vida vã, dispersa... Mas súbito Uma outra voz acalma o coração, Cresce da sombra, iluminada e pura! 3 Um fio de música Que me liberte Do peso escuro Que trago em mim! Um fio de música Que me transmita (E a alma inunde), Mãe, teu perdão! Um fio de música Que vã ao fundo Do ser dorido, Qual uma bênção E sagre e embale Meu coração Das trevas preso: Um fio de luz Que me redima Daquele instante E varra, afaste A vil lembrança! Um fio de música A dar-me alento De olhar de frente A luz do dia! 4 Ave ferida, minha alma Necessita de silêncio Para voar liberta da aridez dos dias, E vai morrendo ausente Da luz do alto onde quisera Pairar sem nome e sem destino ... Ave ferida e deserta De esperanças, vai ficando Saudosa dos longes, da distância, E suas asas retraem-se, doridas, De encontro às grades frias, lisas, Dum cárcere obscuro! Ave ferida e sedenta Dos livres horizontes, das palavras Que crepitam nos astros e fluem Dos corações amantes, das montanhas — Minha alma necessita de silencio E, refletindo na noite a sua imagem, Ir ao fundo das coisas, desprendida! 5 Nos confusos recantos onde o sonho Se espraia e vive, sem dizer seu nome. Pulsa num coração o ritmo do mundo. Ignorado, longe, intranqüilo, Do grande mar, rasgando a imensidade, Voga no vento um clamor, um grito Que a noite guarda abandonadamente E o coração anônimo adivinha Além da névoa persistente, triste... E do silêncio emerge urna voz pura, Já liberta de lágrimas, cantando, Na luz oculta, o despontar da vida!


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