Luís Amorim de Sousa 

A Walt Whitman
                  
                                                                                    "Me imperturbe, standing at ease in nature"
                                                                                                                                     Walt Whitman
 
página a página 
virando as folhas (todas) uma a uma 
encontro pouco a pouco e duma vez 
o corpo inteiro 
                       o delta 
deste correr para o mar de sensações 
desordenadas 
                    íntimas 
agudas 
este estar só 
como quem de repente 
se vê sem dar por isso e até que se aperceba 
no espelho duma montra 
familiar 
                fugaz 
um pouco desfocado 
mas pouco a pouco 
e de fora para dentro 
inteiro e duma vez 
noutra realidade 
que sendo inesperada 
se afirma inexcedível 
essa (eu 
                diria) 
com que ando por aí de corpo inteiro 
lendo 
      portanto 
a tua poesia 
<---xxx--->

irmãos  
porque os tiveste 
os assumi 
                 lenhosos livres 
imperturbáveis seres 
de peito a descoberto 
resvalando para a lenda 
ardentes 
        vagarosos 
vagos como a folhagem 
densos 
      claros 
como o ar do Outono 
o penetrar nas águas 
                     de remos 
                                     a compasso 
meus 
irmãos 
      deste lado 
do mar 
que nos separa 
nos uniu no entanto 
antes da quarta volta 
a primeira 
a contar 
de lá para cá 
onde as vozes se apartam 
e são restituídas 
ao seu metal 
      seu barro 
seu vidro vário 
seu brilho 
          sua noite 

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esta garganta 
este desfiladeiro 
esta fundura a pique 
este leve aflorar 
de veios de água 
na face 
       dos penedos 
este murmúrio 
   este 
segredo 
de quantos passos idos 
inscritos na memória destas pedras 
e os nomes que lhes deram 
    enumerando 
sítios 
procriando aventuras 
evocando vertigens 
pontos de não retorno de vidas em desfile 
esta vertente 
descrevem teu perfil 
os grilos do teu canto 
e o bater de machados 
em troncos  
          seculares 

<---xxx--->

dorme 
deita-te neste espaço 
e dorme 

as gerações que passam a teu lado 
debruçam-se no rio que tu és 
e bebem dele 
     e mergulham seus membros na corrente 
e jogam-se em seu leito 
                             caudaloso 
e quem de ti recebe 
direcção e frescura 
contigo se encaminha para o mar 
que o teu cantar desperta 
e o teu corpo reclama 

         avidamente

                                                     
                                                                      (in  Oceanografia)
                                          
                                                       
 Remetente : Maria Alice Vila Fabião 

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  05  de Fevereiro de 1998