|
|
|
|
[Jornal
do Brasil,
Benjamin, Derrida e outros filósofos e lingüistas
Imagine-se o livro mais lido do mundo, a Bíblia, best-seller incontestável, acessível apenas em sua versão original: o Antigo Testamento, em hebraico e aramaico, e o Novo Testamento, em grego. Não é preciso dizer que o público leitor tenderia a vir diminuindo através dos séculos e a história do mundo, em particular do mundo ocidental, seria outra. Foram as traduções sucessivas, em 1435 línguas e dialetos – das cinco mil línguas e dialetos existentes -, que fizeram a mensagem da Bíblia acessível a chineses, suecos, árabes e a praticamente todos os povos há mais de 20 séculos. A tradução - seja de um texto literário, científico ou religioso - sempre suscitou pesquisas eruditas na academia. De Walter Benjamin a Jacques Derrida, passando por Antoine Berman, grandes filósofos e lingüistas se debruçaram sobre o complexo problema que consiste em tornar um texto compreensível em outra língua que não aquela em que foi escrito originalmente. Walter Benjamin é autor de um ensaio primoroso, estudado (e traduzido) em várias línguas, chamado A tarefa do tradutor (Die Aufgabe des Übersetzers). Segundo Benjamin, "a tradução, em última instância, tem por fim exprimir a relação mais íntima entre as línguas". E pergunta: "Se nas traduções a afinidade das línguas é de se comprovar, como evidenciá-la a não ser pela ransmissão a mais exata possível da forma e do sentido original?" Para o filósofo, uma tradução, "por melhor que seja, nada significa para o original. No entanto, por sua traduzibilidade, mantém um vínculo estreito com o original". Ainda segundo Benjamin, no original, conteúdo e língua formam uma unidade determinada, como a do fruto e da casca, enquanto a língua da tradução envolve seu conteúdo, "como um manto real, com dobras sucessivas". Nesse mesmo ensaio, Benjamin cita grandes tradutores que, segundo ele, são incomparavelmente mais importantes como tradutores que como escritores, entre eles, Lutero, Voss e Schlegel. O filósofo acrescenta que assim como a tradução é uma forma autônoma, "também se pode compreender a tarefa do tradutor como autônoma e diferenciá-la com precisão da tarefa do escritor". Ele conclui seu texto dizendo que "todos os grandes escritos, em qualquer grau, e a Sagrada Escritura em grau máximo,contêm nas entrelinhas sua tradução virtual. A versão interlinear do texto sagrado é o arquétipo ou o ideal de toda tradução". Os interessados na tarefa do tradutor e na tradução como um tema a ser aprofundado dispõem agora, em português, de um livro lançado pela Editora Unesp chamado Tradução e diferença. Originalmente uma tese de doutorado, a obra de Cristina Carneiro Rodrigues lança seu foco sobre o trabalho de quatro dos mais destacados e influentes teóricos da tradução em nossos dias: John C. Catford, Eugene Nida, André Lefevere e Gideon Toury. Esses autores foram analisados a partir da ótica desconstrutivista. Ao pressuposto desses pesquisadores de que uma tradução pode apresentar, em outra língua, os mesmos valores do texto de partida, a autora opõe o pensamento de W.V. Quine, S. Fish e Jacques Derrida. Como, segundo Jacques Derrida, não se pode alcançar a suposta unidade pré-babélica, o domínio em que as línguas se reconciliariam e se completariam não pode ser tocado pela tradução. Com isso, o filósofo quer dizer que "nunca atingiremos a equivalência, que se situaria nesse suposto reino ideal de harmonia entre as línguas". Ainda, segundo Derrida, a tradução "não é equivalência, não é complemento, é suplemento: uma significação substitutiva que se constrói em uma cadeia de remissões diferenciais como a escritura". A tradução, pois, preenche um vazio e "vai se produzir de alguma maneira como obra original". Segundo o filósofo, cujos conceitos sobre o tema são exaustivamente estudados no terceiro capítulo do livro, a tradução não é, pois, secundária em relação a um todo a ela externo, pois é necessária para a sobrevivência do original. Citando George Steiner, a autora diz que "em qualquer tratado sobre a arte da tradução que se examine, a mesma dicotomia é colocada: seja entre ‘letra’ e ‘espírito’, e ‘palavra’ e ‘sentido’. Outros usam os termos ‘equivalência formal’ e ‘equivalência dinâmica para falar do mesmo aspecto da fidelidade (literalidade) ou da liberdade da tradução. Uma tradução literal, explica Cristina Carneiro Rodrigues, a partir de Catford, Nida,Lefevere e Toury, seria aquela "que reproduziria, em outro sistema lingüístico, os padrões formais da primeira língua, uma tradução que supostamente reverbalizaria o texto original em uma segunda língua, de modo que o leitor pudesse fazer uma leitura como o faria o leitor original - uma tradução que se identificasse com a suposta origem. O ‘literal’ seria o que é compreendido objetivamente, o que pressupõe a isenção do sujeito que analisa e implica a noção de que um enunciado pode ter um sentido primordial, independente de sua leitura, mas que pode ser modificado se certas circunstâncias contribuírem para que isso ocorra. Apenas no segundo nível, o da interpretação, o da ‘criatividade’, haveria mediação do sujeito." Derrida defende a necessidade de substituir a noção de tradução pela de transformação: "transformação regulada de uma língua para uma outra, de um texto para outro". Na longa discussão sobre tradução, uma coisa é inquestionável: todo "original" depende do tradutor para sua sobrevivência e está em dívida, por antecipação, para com o tradutor. Essa afirmação
só vem reiterar a necessidade que 70 sábios judeus sentiram
de traduzir para o grego os livros que compunham o cânone da Bíblia
hebraica, hoje conhecida pelos cristãos como Antigo Testamento.
Os 70 eruditos judeus de Alexandria produziram a primeira tradução
da Bíblia nos séculos 3 e 2 a.C. Essa tradução,
que ficou conhecida como Septuaginta, é, até hoje, a mais
aceita entre as primeiras traduções do Antigo Testamento
hebraico. Recentemente, um outro erudito judeu de origem argelino-francesa,
André Chouraqui,’empreendeu o trabalho hercúleo de traduzir
do hebraico para o francês os livros do Antigo Testamento e do grego
para o francês, os do Novo Testamento. Por essa mais recente tradução
da Bíblia – já retraduzida para diversas línguas a
partir do francês - Chouraqui recebeu da Academia Francesa a medalha
de ouro do prêmio da língua francesa D.D.B, 1974-1977.
|