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Enéas Athanázio (*)


 

Cidade Íntima

 

A leitura estudada e vagarosa deste livro de R. Leontino Filho me conduz por caminhos que levam a conclusões diferentes das que vi até agora sobre ele. Para mim, em Cidade Íntima, o poeta se entrega, do início ao fim, a um exercício de auto-análise em que a cidade é a metáfora, eis que tudo que há nela vive e palpita no interior do poeta, na sua alma e na sua sensibilidade. Assim é que a investigação íntima a que o poeta se entrega vai se fixando em objetos, seres e cores, como quem procura materializar em coisas visíveis tudo aquilo que vai encontrando nos mais remotos escaninhos interiores. Verifica-se, então, que a cidade íntima é ele próprio, descrito por meio da urbanização poética de seu ser, se isso é possível. Da mesma forma como certos objetos e lugares nos provocam determinados sentimentos, na cidade íntima do poeta tudo, ou quase tudo, encontra um eco especial nas cordas de sua sensibilidade.

Não me parece por acaso que a primeira parte do livro se chama Evoluções. É que ali se instaura o processo através do qual o poeta percebe o fenômeno e começa a construir a cidade íntima. Lançadas as bases dessa construção, em cinco poemas densos como estacas, ele busca as sementes do homem, da pátria, da vida, do sonho e do amor. E então, como que confirmando a minha tese, conclui em Somos o Poema aquilo que afirmei. Arco-Íris, atribuindo significados psicológicos específicos às cores, e Represa, arrematam a visão integral da cidade íntima que ele descobre, inebriado, em tudo que encontra.

Para repetir o sempre lembrado Monteiro Lobato, poesia de verdade é aquela que provoca no leitor os mais inesperados vôos.


(*) Enéas Athanázio – escritor e ensaísta catarinense, autor de mais de 30 livros.