Fortaleza, Ceará - Domingo 28 de outubro de
2001
Sobre a beleza
A
poesia de Janilto Andrade
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Durante séculos,
mulheres e homens, filósofos, críticos ou simplesmente amantes das
coisas belas, tentaram entender ou descrever a emoção que os
assaltava diante de um objeto, uma música, um quadro, uma escultura.
De onde provém este espanto, esta alegria, esta admiração que
provoca em nós produções artísticas de linguagens tão diferentes
quanto um noturno de Chopin ou uma peça de Schoenberg, um cartaz
publicitário de Mucha e outro de Andy Wharhol, a pintura de um rosto
feminino de artista pré-rafaelista ou da Guernica de Picasso? O que
fez nascer em nós esta intensa comoção, com raízes talvez em nossos
longes, que não têm equivalente com outros tipos de experiência que
nos abalam, como, por exemplo, nos raros e sublimes contatos
amorosos, onde algo vindo de outrem ou de nós próprios, estabelece
uma frágil ponte entre solidões, ou como no trato religioso, quando
sentimos que uma centelha do divino, do inexplicável fulgurou em
algum recanto dessa coisa tão destratada a que chamam alma? E essa
beleza que, de algum modo nos toca, existe no objeto, independente
do olhar que o alcança, linguagem duradoura, atravessando séculos de
civilização? Há, no indivíduo que contempla, escuta, toca, uma
predisposição para receber e fruir o que o objeto artístico carrega
em si? Finalmente, por que um quadro, um texto, uma melodia, uma
escultura nos seduz?
Esse livro
de Janilto Andrade não busca, e nem seria possível, trazer respostas
definitivas a estas perguntas, embora sobre elas se debruce, de modo
sensível e inteligente. Da Beleza à Poética é o resultado de anos de
reflexão, culminando com uma tese de doutorado em Letras, na
Universidade Federal de Pernambuco, da qual tive a alegria e a honra
de ser orientadora - ah, tão pouco orientadora, os caminhos de
Janilto sendo sempre pertinentes e conscientes, a ponto quase de
dispensar conselhos e sugestões de uma guia que é pouco mais que
colega de profissão e de inquietações, mesmo sendo esta guia
igualmente apaixonada por questões que podem, de algum modo,
iluminar caminhos, nessa carreira que escolhemos. O leitor
encontrará aqui reflexões que, como afirma o autor, são "uma
travessia possível" por estradas que nos levam do "fascínio à
interpretação". Janilto questiona o lugar da subjetividade na
abordagem da obra de arte, tendo como ponto de partida o hermeneuta
Alfonso Lopez Quintás, que retoma a reflexão heideggeriana sobre as
razões que levam um leitor, um observador, a considerar belo o
objeto de seu interesse.
Passo
a passo e como bom acadêmico, no melhor sentido dessa palavra,
unindo razão e sensibilidade, Janilto Andrade nos leva a meditar
sobre a novidade que é uma obra de arte, beleza ainda não existente
no mundo a que o artista dá presença, invocando teóricos como Valéry
e Gadamer, Kant e Ricoeur, Eco e Merleau-Ponty, Nietzsche, Bérgson e
Carlos Bousoño, Dufrenne, Lukács e Paviani, entre outros, não
esquecendo aqueles que entre nós se debruçaram sobre a questão como
Anatol Rosenfeld e Jorge Coli. E, o que é melhor, de modo claro,
accessível, sem o pedantismo e o apego excessivo à teoria, que têm
marcado muitos dos nossos trabalhos acadêmicos.Unindo a teoria à
prática, Janilto Andrade nos oferece pertinentes leituras de
manifestações artísticas de linguagens variadas. É assim que analisa
os belíssimos e longos poemas Litania da Velha, de Arlete Nogueira
da Cruz, e A Comarca das Pedras, de Hildeberto Barbosa Filho, poetas
que de há muito mereceriam uma maior consagração do Brasil-leitor.
Do mesmo modo, e mostrando como o encontro com a obra de arte é uma
ocasião de ser feliz, Janilto analisa o mundo coberto de penas, de
Vidas Secas, O Grito, de Edvard Munch e uma seqüência do filme O
pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Nessas análises, ele busca
explicar os modos de aparição da beleza, e como se dá, em nós, seu
encontro. E a constatação de que a arte é uma manifestação de paixão
pela vida, lembrando Stendhal: "O belo é apenas a promessa de
felicidade".
Num momento em que
a universidade brasileira tem sido vilipendiada e acusada de
elitismo entre outras coisas, esta tese de Janilto Andrade faz a
ponte entre o mundo acadêmico e o público leitor leigo. E se impõe
pela seriedade requerida pela academia, a seriedade que deve pautar
os trabalhos daqueles que investiram sua vida na difusão do
conhecimento de que a universidade soube ser guardiã, através dos
séculos. Aqueles que ainda acreditam como Dostoievski que "a beleza
salvará o
mundo".
Luzilá
Gonçalves Ferreira
Ensaísta e
Professora da
UFPE
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