Luís Guimarães Júnior
A Sertaneja
Eu sou a virgem morena,
Robusta, lesta, pequena
Como a cabrita montês;
Vivo cercada de amores,
E aquele que fez as flores,
Irmã das flores me fez.
Vinde ver, ó boiadeiros,
Meus vestidos domingueiros,
Meus braços limpos e nus:
Ah! vinde ver-me enfeitada
Com minha sala engomada,
Com meus tamancos azuis.
Sertanejos, sertanejos,
Pedis debalde os meus beijos,
Em vão pedis meu amor!
Eu sou a agreste cutia,
Que se expõe à pontaria
E ri-se do caçador!
A sertaneja morena
Bonita, forte, pequena,
Não cai na armadilha, não:
A jaçanã corre e voa
Quando vê sobre a lagoa
A sombra do gavião.
Sou órfã, donzela e pobre,
Vistosa telha não cobre
O lar que herdei de meus pais:
Que importa? Vivo contente:
Ser moça, bela e inocente
É ter fortuna demais!
Quem tece e protege o ninho,
Quem defende o passarinho,
Quem das mãos espalha o bem,
Quem fez o sol e as estrelas,
Dando a virtude às donzelas,
Deu-lhes a força também.
A Virgem nunca se esquece
Da mais tosca e simples prece
Que voa ao seio de Deus;
Por cada infeliz que chora
Abre na terra uma aurora,
Crava uma estrela nos céus.
Sertanejos, sertanejos,
Podeis morrer de desejos,
Que eu não me temo de vós!
A sertaneja faceira
É mais que a paca ligeira
Mais que a andorinha veloz.
Sou viva, arisca, medrosa,
Bem como a onça raivosa
Pronta ao mais leve rumor!
No meu cabelo selvagem
Sente-se a morna bafagem
Das matas virgens em flor.
No samba quem puxa a fieira ,
Melhor, melhor que a trigueira
Maravilha dos sertões?
Que peito mais brando anseia,
Quem mais gentil sapateia,
Quem pisa mais corações?
Ai! Gentes! Ai! Boiadeiros!
Não sois decerto os primeiros
Que o meu olhar cativou:
Desta morena a doçura
É como frecha segura:
Peito que encontra — rasgou!
Minha rede é perfumada,
Como a folha machucada
Da verde malva-maçã:
Nela me embalo sonhando,
E dela salto cantando,
Quando vem rindo a manhã.
Sonho com jambos e rosas,
Com as madrugadas formosas
Deste formoso sertão:
Meu sonho é como a canoa,
Que voa, que voa e voa
Nas águas do ribeirão.
Trago no seio guardado
O rosário abençoado
Que minha mãe me deixou:
Ai! Gentes! Ai! Pastorinhas!
Se estão alvas as continhas
Foi que meu pranto as lavou.
Quem é mais feliz na terra?
Quem mais delícias encerra,
Quem mais feitiços contém?
Vem moreno boiadeiro,
Desafiar meu pandeiro
Com tua guitarra, — vem!
Raiou domingo! Que festa!
Que barulho na floresta!
Quanto rumor no sertão!
Que céu! que matas cheirosas
Quanto perfume nas rosas,
E quantas rosas no chão!
Vinde ouvir-me na guitarra:
Não há nas brenhas cigarra
Que me acompanhe, — não há!
Trazei, trazei, boiadeiros,
As violas, os pandeiros,
Os búzios, o maracá!
Eu sou a virgem morena,
Robusta, lesta, pequena
Como a cabrita montês:
Vivo cercada de amores,
E aquele que fez as flores,
Irmã das flores me fez.
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