Luís Inácio Araújo


As Indefinidas Palavras

Qualquer palavra que eu te diga ou te silencie é tão sem sentido — para o meu poema que é só bruma voz muda esferográfica: e o que sobre é esse silêncio pesando sobre os corpos, esse chumbo, o exaurir do carbono, o vão dos corpos. Agora quero inventar um poema com isso que em mim é aresta, arpão, fratura exposta, berro içado sobre setembro, estilhaço, beijo esgarçado, grifar minha mudez sem fundo afundada de tantas palavras. Solto o poema como uma vertigem, desse perigo não há fuga: a nona sinfonia arrebenta num revés de crepúsculo. Inverter o caos da tarde em melodia ou aceitar o que um poema fabrica de naufrágio? pela página? Num lapso: me escapam o salto e o grito irisado, e daqui fotografo o abismo em cores kodak. Palavras desabam numa catástrofe: quero agora o vazio das margens, a intransferível brecha, o vão da palavra impronunciável. Em que poema jogar fora as palavras onde sempre esbarro? — Vida & Morte Deus & Sexo — Escrever é o que se arquiteta do deserto de uma falta, infância e cio, o turvo de alguém, antro de uma boca. Mas o que escrevo é noite cava, emparedamento, poço e não cabe no estreito de nenhum poema. É só por afronta e voracidade que escrevo escavo: indefinidamente até preencher com o poema a branca ausência: impreenchível.


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