João Linneu
Cana
É o começo da safra
o corte na perna
bote de jararaca
guizo de cascavel.
É o frio da madrugada
a azia da tarde
calor dos infernos
a garapa gelada.
É o moer da moenda
a pinga bendita
o ganho do dono
gavião de atalaia.
É a dor nas costas
ventania no rosto
rabeira de caminhão
o barranco da estrada.
É no fio do facão
bagaço da cana
touceira de soca
açúcar mascavo.
É a fumaça nos olhos
fuligem no ar
um golpe de vento
cheiro do restilo.
É a menina em casa
velando a caçula
a doçura da cana
o travo da pinga.
É o suor escorrendo
a vida vertendo
a moenda moendo
a cãibra da noite.
É o pouco sono
cagando na moita
o choro do filho
amando em silencio.
É a cachaça diária
o tapa na filha
o ranho do neto
pileque de domingo.
É uma curva de nível
estrepe na mão
um caco de dente
pedaços de gente.
É um jeito de corpo
chuva de vento
o barro vermelho
ruflar de lagarto.
É o bicho-de-pé
o coró da madeira
pedra de fogo
chuva de estrelas.
É o olho-d'água
um pé de vento
o fogo de encontro
a coivara.
É uma manga de vez
a broca da cana
o berne na carne
o sol no cangote
É a saudade, é a saudade
da lida com porco
do ciscar da galinha
da horta de couve
da polenta em feta
é a saudade, é a saudade
da panceta da porca
da canga do boi
da pamonha na palha
da canjica da tarde
é a saudade, é a saudade
do leite de égua
da curva do rio
da prosa da noite
do pé-de-moleque
é a saudade, é a saudade
do fumo de corda
pão de torresmo
do borralho do forno
reza e catira.
é a saudade , é a saudade.
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