Leonel Neves 

Fotografia do Pequeno Beiro
       
                                                                                   
Breve piroga com flutuadores,
como um insecto de precárias asas.
Bicho da terra, que se atreve ao mar
só na orla da praia, só à vista das casas.

Bote sem vela nem motor, sem leme:
um único remo e duas muletas.
Mosquito do pântano, pousado nas ondas,
de asas nem sequer rotas, – incompletas.

Tronco escavado, não pela mão do tempo
nem por bichos que morem no buraco,
mas aberto à catana por um homem
que ficou ele próprio a encher o vácuo.

Transplantado para o chão móvel das águas,
setas de pau e linhas por raízes,
folhas regressadas em súbitas aves
e a incerta seiva de peixes felizes.

Árvore amputada que sobreviveu,
ressuscitada pela fome.
Barco a que proibiram o mar alto:
sempre à beira da ilha, beiro é mesmo o seu nome.

 
                                               (In Memória de Timor Leste, Pedra Formosa, Edições,
                            Lda, 1989  ISBN 972-8118-15-5)
 
           
Remetente : Antonio Pedro Braga 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  23 de dezembro de 1997