Leonel Neves 

Um Romance de Regresso
       
                                                                                   
Vindo do Mundo Perdido,
Mau-Máli foi à Missão,
por acaso ou a pedido
ensinar sua lição,
fazer o que em qualquer parte
faria como artesão:
trabalhar na sua arte
de bonecos de latão.

Depois, ou por ter gostado
desta ou daquela oração,
ou por ter-se enamorado
de algum Cristo de latão,
fosse lá pelo que fosse,
Mau-Máli fez-se cristão,
dentro e fora baptizou-se,
Mau-Máli virou João.
E, como João, guardou
dentro do seu coração
não palavras que escutou
mas toda a sua intenção.

Pecados mortais e tudo
ouviu com muita atenção…
mas, guerreiro sobretudo,
que lá matar, isso não!

Tendo assim acontecido,
dada e tomada a lição,
voltou ao Mundo Perdido,
não Mau-Máli, mas João.
E a mulher barlaqueada
com Mau-Máli artesão
já com outro tinha aramada
sua esteira de traição.

Um timor que assim se engana
sabe a sua obrigação,
a que só uma catana
pode dar satisfação.
Uma adúltera confessa
merece tanto perdão
como o outro: sem cabeça,
o seu crime pagarão.
Mas o que Mau-Máli sabe,
o que manda a tradição,
é coisa que já não cabe
na cabeça de João.

Poderia esquecer tudo,
Cristo, baptismo, oração,
mas lembra-se sobretudo
que lá matar, isso não!

Ora já foi cumprido
o seu tempo na Missão,
já só no Mundo Perdido
há bonecos de latão,
não há lugar onde ponha
sua vida de artesão.
Sem lavar sua vergonha
como há-de viver João?
Por isso decapitou-se
com um só golpe de mão.

Mas… João suicidou-se?
- Mau-Máli matou João!

         
                                               (In Memória de Timor Leste, Pedra Formosa, Edições,
                            Lda, 1989  ISBN  972-8118-15-5)
       
           
Remetente : Antonio Pedro Braga 

[ ÍNDICE DO AUTOR ][ PÁGINA PRINCIPAL ]
 
 
 
Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  23 de dezembro de 1997