O sol é contrabandista:
Bebe
em cisternas de Espanha
uma
nuvem que, afinal,
quando
se desata, emprenha
Figueiras
de Vila Real.
O vento é contrabandista:
De
terras de Portugal
passou
sementes sem conta
que
pariram um pinhal
ali
ao pé de Ayamonte.
O rio é contrabandista:
Nasceu
um moço na Alemanha
e ele
o trouxe no caudal
morto
da Guerra de Espanha
a enterrar-se
em Portugal.
E o rio, o vento e o sol
fazem contrabando à vista
e ninguém dá o alarme;
eu tenho um pão e um lençol
e toda a gente se dana
e os guardas querem matar-me,
– que eu sou contrabandista no Guadiana!
Às vezes penso, passando o rio:
– Aqui é Espanha ou Portugal?
A noite sem estrelas tudo irmana…
Só nos olhos dos guardas há estrelas de frio
e em qualquer banda o rio é igual
e eu sou contrabandista no Guadiana!
Entre Espanha e Portugal,
olhos das moças de Vila Real
dizem-me «até amanhã»!
Entre Portugal e Espanha,
olhos das moças de Ayamonte
dizem-me «hasta mañana»!
E eu trago sempre um adeus nos olhos,
que os guardas têm carabina
e uma noite me roubam a manhã
e Vila Real e Ayamonte e uma menina,
a que disse «até amanhã»
ou a que disse «hasta mañana»
– que eu sou contrabandista no Guadiana! |