Leonel Neves 

Sou Contrabandista no Guadiana
       
                                                                                   
O sol é contrabandista: 
           Bebe em cisternas de Espanha 
           uma nuvem que, afinal, 
           quando se desata, emprenha 
           Figueiras de Vila Real. 
  

O vento é contrabandista: 
           De terras de Portugal 
           passou sementes sem conta 
           que pariram um pinhal 
           ali ao pé de Ayamonte. 
  

O rio é contrabandista: 
           Nasceu um moço na Alemanha 
           e ele o trouxe no caudal 
           morto da Guerra de Espanha 
           a enterrar-se em Portugal. 
  

E o rio, o vento e o sol 
fazem contrabando à vista 
e ninguém dá o alarme; 
eu tenho um pão e um lençol 
e toda a gente se dana 
e os guardas querem matar-me, 
– que eu sou contrabandista no Guadiana! 
  

Às vezes penso, passando o rio: 
– Aqui é Espanha ou Portugal? 
A noite sem estrelas tudo irmana… 
Só nos olhos dos guardas há estrelas de frio 
e em qualquer banda o rio é igual 
e eu sou contrabandista no Guadiana! 
  

Entre Espanha e Portugal, 
olhos das moças de Vila Real 
dizem-me «até amanhã»! 
  

Entre Portugal e Espanha, 
olhos das moças de Ayamonte 
dizem-me «hasta mañana»! 
  

E eu trago sempre um adeus nos olhos, 
que os guardas têm carabina 
e uma noite me roubam a manhã 
e Vila Real e Ayamonte e uma menina, 
a que disse «até amanhã» 
ou a que disse «hasta mañana» 
– que eu sou contrabandista no Guadiana!

 
                                               (In Natural do Algarve, Guimarães Editores, 1968; 
                                               2ª edição Universidade do Algarve, 1986)
 
 
Remetente : Antonio Pedro Braga 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  23 de dezembro de 1997