Álvaro Pacheco é um dos mais importantes poetas da nova geração
brasileira. Natural do estado do Piauí, onde nasceu a 26 de
Novembro de 1933, veio para o Rio de Janeiro completar os seus estudos,
Jurídicos e Sociais.
Atraído, desde cedo, pelas letras, ingressa no jornalismo.
Cinco anos de repórter e de redator do "Jornal do Brasil" dão
experiência que lhe irá valer em sua vida de empresário.
Resolve trabalhar por conta própria: funda e dirige a "Revista Brasileira
de Energia Elétrica", a revista "ADVendas", a revista "Arquitetura"
e a revista "Capixaba". Torna-se editor: a fundação
da Editora Artenova, com um dos melhores parques gráficos do Rio
de Janeiro, revela o homem de empresa moderno e arrojado.
A Gráfica e Editora Artenova, ocupando grande área na zona
industrial do Rio, instalações próprias, planejadas
com bom gosto e arte funcional, é a prova dos nove da sua capacidade
realizadora, subsistindo ao lado de uma sensibilidade poética medida
pela idealização de universos interiores e exteriores, colateralmente
expressos por construções lírico-lógicas.
Seus livros de poesia — cinco até agora — são o apuramento
de um espírito tocado pela graça e mistério da criação.
Estreou em 1958 com "O Instante e os Gestos". Vieram "Pasto da Solidão".
"Margem Rio Mundo", "O Sonho dos Cavalos Selvagens", "A Força Humana".
Carlos Drummond de Andrade realça em Álvaro Pacheco
"a confirmação de uma poesia que eu sentira viva e em
desenvolvimento, e que agora se realiza em várias direções
e experiências". Ao ler "A Força Humana", Drummond deteve-se
no poema "O Homem de Acrílico", e escreveu: "Os poemas de Álvaro
Pacheco tocaram a este leitor: na era do homem de acrílico
a poesia continua a emitir sinais luminosos e confortadores, por mais que
se queira esvaziá-la de todo sentido — e a sua tem aquela propriedade".
Em "O Homem de Acrílico", Álvaro Pacheco extravasa a
angustia do homem envolvido pelas miragens e as realidades novas da civilização.
Mas o seu desejo permanece nu (de plástico) na idade nova porque
Ele sente que há:
há esperança, o sonho e outros instrumentos
de acrílico, da mesma matéria
de que se fazem os homens
sobretudo o dilema
de continuar ou não, de ficar inconsciente
ou sentir no coração a marijuana, o ópio, a cocaína
do povo em discurso aberto
de sobreviver
e ele sente que há
sobretudo o problema da circunspeção
dos olhos fechados (dentro
dele) ao coração.
Dramaticamente, o poeta chega à conclusão de que
Há
qualquer desperdício
não de acrílico, mas de carne viva
há
as coisas que não se
consegue
como o amor total
ou a paixão absoluta, há
o acrílico e suas conseqüências plásticas (e plásmicas)
no coração do homem: o amor
de acrílico, plástico, a estender-se
sem abrigar o homem, seu abrigo
de plástico, como a seda, leve mas duro
o frio, impessoal, sem dono
e longe
Álvaro estava na janela de um hotel da Broadway. A noite nova-iorquina,
escorrendo nas cores dos anúncios luminosos, escorrendo gorda e
plasmática nas pessoas do vaivém das ruas (da vida).
A hora e a vez do instante do poeta. Inspiração feita
de luzes, de cores, de rios humanos, de sons, de ritmos. Poesia sensorial
e filosófica , essa de "O Homem de Acrílico", fecha o verso
assim:
E haverá sempre o homem de acrílico
e seus sinais luminosos
que ninguém pode ler, as suas
incompreensões, as suas
infinitas esperanças
nas manchetes de jornal, nos viadutos
para levar ao infinito, além de toda a erótica
além de todo o acrílico, além
de toda a carne e de toda a esperança
feita de carne, homem, acrílico
e plástica.
Eis o que define a poesia de Álvaro: o profundo mar azul (e até
mágico) de sua poesia. Sabe extrair das coisas o perceptível
sensorial, o absurdo racional. Decerto, nunca será aquele
homem dos versos de Wordsworth que para si a flor amarela na beira do rio
era uma flor amarela e não era mais nada.
Toda a poesia de Álvaro Pacheco é voltada para a temática
universal do homem com os sentimentos de vida que o acompanham eternamente
e o fazem mais humano. Ele mesmo diz (memória de menino
de fazenda no Piauí):
A vida toda guardada
no fundo de uma parelha
de ano de bois, de saudade.
Mas vida se derrama, embriaga como absinto, leva o poeta a
quintessenciá-la:
Eis vou-me ter a companheiro da vida
nos becos e ruelas do sangue em cada pedra
sangrando cantessência de desejo
do desejo o sonho nu rasgando corpo
e os sentimentos milenares carregando
para dentro do sangue a cor da vida
poliédrica multidão amplo fluir
de nós, do só, em torno do esplendor
do que treme e cheira e alumbra.
Assim, Álvaro procura dentro de si, ausculta os homens, sente o
mistério das coisas, descobre o sentido oculto delas, alcança
o seu sonho de poeta e dá existência ao poema. A limpidez
da água em som fresco e cristalino, rolando em pedras macias.
Como no "Antimatéria-2":
Eu e antieu
em cargas compostas
para o aniquilamento
em choque sem compensar-se
em uma zona remota
dos universos eu
e antieu, conflito
de antipartículas
constantes e partículas
móveis, alegria, sonho
e a antimatéria: solidão
energias em crise propagando-se
eu e antieu integrados
nas horas leves, aniquilando-se
nas emoções e antiemoções
na desintegração final, morte
para integrar-se
nos universos, anti, anti..
… o poeta das grandes inquietações universais. Do homem
perdido (e procurando a verdade absoluta) nos enigmas da criação
do homem perplexo diante de mistérios desvendados pela ciência
e pela técnica. Da premonição de tornar-se anti
qualquer coisa num mundo oposto ao nosso, que os astrofísicos tentam
descobrir nas fontes de radiação especial. (No seu
"Antimatéria-1": "Antimatéria / (in) existente, mundo / e
um antimundo simétrico / matéria oposta e uma / anticriação:
para amor / de antes / um antiamor / no futuro". Da dúvida
de existir ou coexistir na plenitude humana ou na vaga silente de matérias
cósmicas integradas nos universos anti (Vide "Antimatéria-1").
Em "Balada para o Homem de Braço Forte" (incluído em "A Força
Humana" Álvaro descreve a chegada do homem à Lua: Neil Armstrong.
O poeta canta a odisséia espacial do "Homem do Braço
Forte", que estendeu "as pernas recobertas de metal alcançou para
sempre / em tênues passadas — e descobriu/ a primeira maravilhosa
solidão/ e a desolação magnifica do deserto vulcânico".
O homem alcançando "o começo do infinito"
Esse "homem de braço forte", de "milhões de olhos siderais
a vigiá-los". Álvaro Pacheco associa-o a Christophoro
Columbus, "cavalgando o espaço e o inacreditável".
E no satélico elegíaco ; da aspiração do amor,
da ciência e dos loucos / levantando o pó obscuro desembarcou
sorrindo /a chorar como um recém-nascido e recém-nato / a
21 de julho de 1969 / Neil Christopher Columbus Armstrong". Um achado
simbólico na história e no nome do astronauta para compor
uma das mais expressivas e líricas páginas que se escreveram
sobre a nossa aventura lunar, através da
Estrada aberta no mar
e erguendo para os céus no rastro dos foguetes
e todos os velhos deuses
(revividos e triunfantes (Apolos, Saturnos, Júpiteres}
a viajarem com os mortos para o infinito
que não era apenas o horizonte além do mar
além das terras desconhecidas da América
mas o próprio conhecimento
[conquistado, a fronteira levada
além do mundo, além da
[fantástica loucura
de querer o impossível — e ir
[buscá-lo.
Rasgando o horizonte antes impossível, a fogo, aço e vontade,
abre-se a nova fronteira da inquietação humana:
E pela primeira vez na história do homem
a visão do deserto trouxe alegria ao coração
e era como se dele brotasse o figo e o mel
e ele fosse de fato a terra prometida
nessa superfície inóspita, selvagem, agressiva
e mortal, embora cheia de promessas
e milagres, dos quais o maior
era estar ali o homem do braço forte
transmitindo sua voz e sua imagem
carregado de máquinas e de esperanças
e carregando consigo o espaço
afinal para sempre conquistado.
Um poeta (co)participante. Provocante. Sabe ir da aventura
sidérica, da extrapolação astrofísica ao lírico-existencial
com a força que o verdadeiro poeta que guarda na morada de
sua natureza invisível. … o caso do poema "Mulher", incluído
no livro "O Sonho dos Cavalos Selvagens":
Ah, que bicho é este chamado
[mulher
que mistério se esconde em
[suas entranhas
que o faz tão razão de ser tudo
[e ser nada
e o fogo no mundo, e o fogo
[no mundo!
...............................................
ah, e quem explica este bicho
[invisível
em sua forma corpórea
[carbonitrada
que é uno e plural (a estrela
[palpável)
o agente completo do bem e
[do mal?
A palavra e o ser estão permanentemente uniformes, harmônicos
na soma de poesia desse autor que caminha, sem atalhos, na estrada da perfeição
artística, e do Rio de Janeiro chega-me um poema inédito
de Álvaro Pacheco. Antológico. Do Dia de Finados
ele arma uma visão poética totalizante: a vida e a morte
em caminhos de ida e de volta "desse nosso todo Dia de Finados".
O Dia de Finados
Um sino não ressoa nem a hora
é de lágrimas no muro de concreto
não se fala de morrer e nem de mortos
e há dia em tudo que é azul reverberante
no homem de finado de uma nova
geração em que a morte é endovenosa
(..............)
toda hora é de morte e todo o dia
é Dia de Finados, precisamos
para isso permanência, e oh irmãos
tenhamos plenos, olhos plenos braços plenos
em um dia qualquer e em todo dia
desse nosso todo Dia de Finados.
(O freunde, nicht diese Tone
Sondern lasst uns angenehmere
anstimmen, und freudenvollere). |