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Luciano Trigo
 <trigo.trp@terra.com.br>


Bio-bibliografia 
 

Crítica & ensaio

  1. Duas dezenas de exercícios líricos: Olga Savary
  2. A poesia de Waly Salomão
  3. A poesia de Sérgio Alcides

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 
 

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Luciano Trigo


Cordelista do caos urbano e do cotidiano banal

O mel do melhor, de Waly Salomão. Editora Rocco, 124 páginas. R$ 22

No auge do tropicalismo, em 1970, quando morava no mesmo apartamento de Gal Costa em São Paulo, Waly Salomão foi preso com uma “bagana”. Numa cela do Carandiru, rabiscou os poemas do que seria seu livro de estréia, “Me segura qu’eu vou dar um troço”, que, lançado no Rio no ano seguinte, teve projeto gráfico do amigo Helio Oiticica. Era o início de uma carreira literária marcada pela inquietação, embora, até hoje, Waly seja mais lembrado como letrista de canções de sucesso, como “Talismã” e “Vapor barato” do que por sua diversificada e desafiadora produção poética.

Trinta anos depois, Waly volta às livrarias com uma justa homenagem: a antologia “O mel do melhor”, com textos do primeiro ao último — até aqui — livro (“Tarifa de embarque”, de 2000). O volume é dedicado a Oiticica, de quem Waly escreveu a biografia (“Qual é o parangolé”) e organizou a obra póstuma “Aspiro ao grande labirinto”. Na introdução, batizada de “Réu confesso”, o poeta pede ao 
leitor que transforme em fagulhas as possíveis falhas da seleção. Trata-se de um roteiro errático por obra farta e fértil sempre voltada para o presente e o futuro (“Meta-promessa mantida: não voltar as vistas para trás”, ou “Todo o passado está morto;/ só vige o que vem, o que surge”).

Vendo o mundo como “jogo que se desarruma”, a poesia de Waly só é fácil na aparência; contrária a fórmulas e receituários, ela na verdade exige assimilação lenta. Não é à toa que rejeita o rótulo de poeta marginal e udigrúdi (que serviu para acobertar tanta poesia engraçadinha e sem alma). Alma é o que não falta aos textos de Waly.

Consciente da (des)inserção social do poeta — “Aprende a palidez altiva/ e o sorriso aloof/ de quem compreende as variações dos ventos da/ mídia” — Waly mantém-se coerente à sua rebeldia: “Vou onde poesia e fogo se amalgamam/ Sou volátil, diáfano/ avasivo”. Ele faz uma espécie de cordel do caos urbano, extraindo do cotidiano mais banal a matéria-prima de sua poesia. São versos e 
prosa poéticas (às vezes em tom de manifesto) que nascem de anotações pela cidade.

Autodefinido como “gigolô de bibelôs” e “surrupiador de souvenirs”, o baiano absorve e reprocessa referências múltiplas, de Blake a John Ashbery, de Gregório de Matos aos irmãos Campos, de Joan Brossa a João Cabral. Abertura à diferença que veio do berço: nascido em Jequié, na zona da caatinga baiana, Waly é filho de sírio muçulmano — um comerciante de tecidos que trazia tatuada no braço a frase “Alah Akbar” (“Deus é grande”) — com beata sertaneja. A coletânea, aliás, quase foi batizada “Tenda do sultão das matas”.

Outro de seus livros se intitula, muito apropriadamente, “Armarinho de miudezas”. Waly não pretende construir uma grande obra; ele entende a poesia como intervenção, ato quase político com poder de transformar nossa percepção da realidade, se não a própria realidade. Como editor, Waly também foi um agitador: lançou “Alegria, alegria”, o primeiro livro de Caetano Veloso, e “Os últimos dias de Paupéria”, de Torquato Neto, seu parceiro na revista literária “Navilouca” — da qual extraiu “Na esfera da produção de si mesmo”. Como ele diz em “Amante da algazarra”, Waly “faz versos como quem morde”. Para apreciar “O mel do melhor”, o leitor deve ser carne a se deixar ser mordida.
 

In O Globo,
Literatura, 23.06.2001
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Luciano Trigo


Talento para renovar em versos o ‘eu lírico’
O ar das cidades , de Sérgio Alcides. Nankin Editorial, 72 páginas. R$ 15 
 

Carioca radicado desde 1998 em São Paulo, onde cursa doutorado em história social na USP, Sérgio Alcides faz uma poesia marcada pelos signos do trânsito e da urbanidade, o que já explicita o título de seu livro de poemas “O ar das cidades”. São versos que tematizam o espaço, não somente o espaço público e o privado, mas também o espaço interior. Muitas vezes isso se dá de forma enigmática, causando um certo estranhamento no leitor. É característica comum em quem faz poesia com voz própria, preferindo trilhar novos caminhos a seguir receitas prontas. 

Não que o autor esteja imune a influências e leituras. Como ressalta o prefácio de Adolfo Montejo Najas, sua poesia impressiona não somente pela imaginação verbal como pela renovação nada ingênua do “eu lírico”, que permite que Sérgio Alcides soe cerebral mesmo quando se utiliza da palavra como expressão de sentimentos. Se é verdade que cada poesia inaugura um certo tipo de leitura, no poema “Metamorfoses” a respiração que o poema sugere se funde com o seu próprio conteúdo: “Amar desempena o rochedo/ desarrumado que me fossiliza./ Saio já daí! Escorrego feito limo./ Vou entre a pedra e o risco da chuva lisa./ Crio vida no mineral destino/ que agora respira”. 

“O ar das cidades” impressiona, também, pela importância da visualidade e pela reapropriação de uma certa “épica do instante”, típica da poesia dos anos 70, sem cair contudo nas armadilhas da gracinha e do verso fácil. Ao contrário, são versos sérios e marcados por uma tensão contínua, obtida através de aliterações inventivas e mudanças bruscas de registro semântico: Alcides puxa a todo momento o tapete dos pés do leitor, que nunca sabe para onde o verso seguinte o conduzirá, renovando a velha máxima: poesia é risco. 

Nesse sentido, trata-se de uma obra consciente de que o estranho pode se alojar em qualquer escaninho da realidade, e de que mesmo a superfície das coisas mais banais pode esconder sentidos profundos e perturbadores: “Abro a porta do velho cheio/ e desperto/ Revém e disperso./ Nunca tão rente./ Minha pele, qual limite?/ Meu redor, quem habite?/ O armário me desarma/ e aberto” (“Guardado”). 

Esse efeito de distorção/revelação da realidade através da palavra está presente ainda em versos como “O claro maiô, a touca justa, a mera raia/ toda essa geometria para o nado.../ Nada esconde o ladrão por onde a vida escoa” (“Poema trampolim”) e no excelente “Jogo dos sete erros”, texto em prosa poética que fecha o volume. Do começo ao fim, “O ar das cidades” é um livro que exige releituras, o que já é uma qualidade rara na nova poesia brasileira. 

 

In O Globo, Literatura
Literatura, 08.07.2001
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Luciano Trigo


24.06.2001



Duas dezenas de exercícios líricos 
O erotismo de Olga Savary está de volta nos 20 contos de 'O Olhar Dourado do Abismo' 
A prosa de Olga Savary serve, no mínimo, para reacender um antigo debate, que remete à obra de Clarice Lispector: existe uma linguagem literária especificamente feminina? A julgar pelo seu décimo quarto livro, a reunião de contos O Olhar Dourado do Abismo - Contos de Paixão e Espanto (Bertrand Brasil, 160 págs., R$ 22), a resposta é sim. São 20 narrativas curtas, muitas mais próximas da prosa poética do que propriamente do conto; 20 exercícios de um lirismo erótico singular e, singularmente, feminino. 
Olga reinventa uma espécie de estética do segundo sexo, brincando com antigos clichês sobre as oposições e contradições entre os gêneros, da contemplação à devoração. É uma sensibilidade à moda antiga, quase obsoleta em sua maneira de ver a paixão, o amor, a sedução. Obsoleta porque ainda se trata de um mundo moldado por homens, anterior ao processo de indiferenciação em curso, e portanto um mundo no qual as mulheres ainda constituem o sexo frágil, cuja força está no mistério, no sentimento, na delicadeza. 
Por exemplo, em Camanau, o melhor e mais ambicioso texto do livro, marcado por uma curiosa ironia autocomplacente, a protagonista é uma mulher madura que se enamora por um mestre-sala adolescente, durante o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, ensejando momentos de grande criatividade: 
"...pendurada sobre o abismo da minha liberdade, do meu poder de escolha, condenada à falta de chão". Olga parece ter, como a protagonista do conto que dá título ao volume, a "vocação dos abismos". 
Todos os títulos, aliás, são altamente sugestivos: King Kong x Mona Lisa, Não a cauda de Sereia, Aliciando Alice, O Rei dos Lençóis. Diferentes dissecações da relação entre homem e mulher, nas quais o empreendimento amoroso implica sempre aventura e risco. E autodescoberta, já que a autora enxerga no amor da mulher madura uma sabedoria própria, telúrica, próxima das forças da natureza. 
Daí a erotização da própria paisagem carioca, nos contos Segunda Pele e Pedra da Gávea ("...és portanto uma esfinge, costas voltadas para o mar"). 
Para Olga, o amor sensual é abrangente como a poesia. Não faltam referências à cultura popular, ao cinema (como no ótimo Um Pássaro na Mão), à mitologia, à psicanálise. São diferentes espelhos que refletem as mesmas angústias e os mesmos prazeres, diferentes pretextos para a autora refletir sobre as mesmas questões. Em todos os textos, a capacidade de amar aparece intimamente ligada à capacidade de se espantar, o que já sugere o subtítulo do livro. 
De amar e de lembrar: é prosa feita de reminiscências retrabalhadas pela imaginação, em jogos de palavras engenhosos. Lêem-se os contos de Olga como num estado de suspensão - do tempo e da realidade. É um mundo com regras próprias, uma gramática na qual todos os verbos são, por assim dizer, conjugados no feminino. 
Ela - Nascida em Belém em 1933, Olga Savary estreou em 1970, com Espelho Provisório, e desde então já participou de mais de 200 livros (além dos 14 que escreveu), como organizadora, prefaciadora e ensaísta. Acumulou importantes prêmios literários e já foi traduzida em países como China, Dinamarca, Holanda, Inglaterra e Japão, e já colheu elogios de Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Raul Bopp. É escritora das mais importantes, embora ultimamente menos reconhecida do que merece. O Olhar Dourado do Abismo certamente contribuirá para que se repare esta injustiça cometida. 

 
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