A
morte e o amor numa poesia cearense
O
primeiro deles:
Diário
do Nordeste
Domingo 13 de agosto de
2000
Francisco Carvalho - uma poesia de Tanatos e de Eros será lançado
dia 16 de agosto na Quarta Literária do Instituto Dragão
do Mar. Ela é professora da rede de ensino fundamental do estado
há quatro anos, mas há 16 está no magistério.Mailma
é muito segura de seu trabalho e o contato com os poemas de Carvalho
passaram de admiração à adoração.
Ela esclarece: "Eu queria
dizer que esse livro é apenas parte do resultante de minha passagem
pelo mestrado porque na verdade este é um livro mais existem mais
dois.Eu costumo dizer que eu me perdi no meu objetivo acadêmico quando
me apaixonei pela poesia do Francisco Carvalho. Defendi essa dissertação
no dia 19 de junho de 1998 e já havia o interesse da publicação
da dissertação pela Edições UFC. Mas eu não
estava satisfeita. Não que não valesse o título de
mestre. Valeu o título, mas o percusso que eu tinha feito estava
ainda longe assim de cumprir, por dificuldades, cumprimento da profissão,
porque eu tive que continuar em sala de aula durante o mestrado. Então
eu não consegui cumprir aquele percusso até o período
que a universidade precisava pra defesa da dissertação. Naquele
tempo em que houve a defesa este resultado aqui era ainda o que eu chamava
de primeira parte. Nos meus estudos eu tinha três partes. Quer dizer,
essa era a minha intenção, já tendo me perdido do
meu objetivo acadêmico, porque não era preciso fazer todo
aquele percusso.
Diário do Nordeste - Como é o seu trabalho de mestrado?
Mailma de Sousa - É
um estudo sobre a poesia do Carvalho. Naquele momento eu estava dividindo
em três partes e essa primeira parte que no começo se chamava
Uma Poesia de Tanatos e de Eros, mas havia duas outras partes. Eram o Substrato
da Cuaderna, nessa parte eu abordo quatro livros do Carvalho que são
indispensáveis. Para mim são os pilares da obra dele. Então
era meu objetivo também tratar disso e não houve tempo.
Diário do Nordeste - Quais são esses livros?
Mailma - Esses livros são
a Dimensão das coisas, de 1967, O Pastoral dos Dias Maduros, de
1977, A Barca dos Sentidos, de 1989, que para mim é a confluência
e a afluência da obra do Carvalho. Tudo o que vem antes, para mim,
é uma preparação para A Barca dos Sentidos. É
o sustentáculo maior. Os outros são afluentes dele. O quarto
livro é a Rosa dos Minutos, de 1996. Esta era a a minha Segunda
parte.
Diário do Nordeste - E a terceira?
Mailma - Contribuições
à Forma e ao Sentido de Uma Poesia de Tanatos e de Eros.
Diário do Nordetse - E estes livros já estão prontos?
Mailma - Sim, inclusive na
bitola de livros. O que aconteceu foi que eu defendi a dissertação
e decidi me dar mais um tempo pra ver se eu conseguia. Demorei então
mais um ano, ingenuamente pensando que era apenas um livro e sofri quando
percebi que não era apenas um livro. Depois me acostumei com a lindíssima
realidade que eram três livros. Eu não podia publicar um volume
de 700 páginas. Não favoreceria nem à obra do poeta.
Ficaria indigesto.
Diário do Nordeste - Até completarem os dois anos entre a
defesa da dissertação e a publicação, o texto
foi revisto?
Mailma - Sim. Eu revi, cortei
alguma coisa, achando que era ainda um livro. Então de um ano para
cá eu não mexi mais nos dois outros. Me acostumei com a idéia
de que eles são três. Embora eles tenham que estar dissociados.
Diário do Nordeste - Dentro da vasta literatura cearense, por que
Francisco Carvalho?
Mailma - Eu tinha a intenção
desde que entrei com o meu projeto de mestrado de trabalhar dentro da linha
de pesquisa que é a hermenêutica, que busca a interpretação
e acabei indo para o lado da poesia, que era um linha que me assustava,
mas também passei a ser orientada por um professor que trabalhava
o tema erotismo. Então como isso é um veio vigoroso, como
diz o professor Luiz Tavares Júnior, eu fui sendo levada para esse
lado. Eu fui orientada pelo professor Linhares Filho. Ele sempre me ajudou
a ver essa poesia e eu não entendia como eu não conhecia
a poesia do Carvalho, tendo passado pelo curso de Letras da UFC. Eu sabia
que ela estava lá, na biblioteca. As pessoas falavam mas eu tinha
um medo. Já imaginando o que é a poesia do Carvalho. O que
se diz da poesia do Carvalho. Essa minha paixão parece até
uma espécie de débito. Eu não entendia como eu não
tinha comigo a poesia do Carvalho, como eu tinha a de Fernando Pessoa,
Drummond, Camões, Bandeira, João Cabral, Goulart.
Diário do Nordeste - Como foi o primeiro contato com a obra do poeta?
Mailma - É dificil
dizer. Eu costumo afirmar que a poesia do Carvalho é uma só.
Não é uma obra que você possa ler um livro e dizer
que compreendeu. Como todas as obras poéticas. Então ficava
cada dia mais difícil porque era uma obra que eu não sabia
sequer quanto era.
Diário do Nordetse - Mas qual foi o primeiro livro?Mailma - Eu me
lembro que eu estava naquele evento, a Febralivro, catando todos os que
eu encontrava. Eu acho que o primeiro que eu comecei a ler foi A Rosa dos
Minutos e uma coisa impressionante é que com aquele estímulo
do Linhares Filho e ele me explicando que o Carvalho trabalhava na Reitoria
e que eu podia ir lá falar com ele. E eu tinha medo de ir, mas eu
tive que ir procurá-lo porque eu não acxhava a obra. Para
eu poder estudá-la eu precisava conhecer desde o primeiro, que é
o Cristal da Hora, de 1955 e eu não sabia nem examente quantos livros
eram. Eu achava que esse Rosa dos Minutos era o mais recente. Então
o que eu fiz: fui à Reitoria com A Rosa dos Minutos debaixo do braço,
era 6 de dezembro de 1996, achando que era o mais recente. Ele me deu duas
notícias. Eu com as mãos geladas, muito nervosa, pois eu
estava diante de Francisco Carvalho. Primeiro ele me disse que tinha uma
publicação recente sobre a obra dele, o que me assustou imensamente.
Foi a professora Ana Vládia Mourão, que escreveu Três
Dimensões da Poética de Francisco Carvalho, eu me assustei,
pois pensei: se alguém recentemente escreveu sobre a obra de Francisco
Carvalho, será que eu farei jus à poesia dele, será
que eu não estarei me esvaziando, esvaziando o assunto. E o outro
fato que eu acho impressionante é que ele me trouxe outro livro
do mesmo ano, o Raízes da Voz, aquele que foi cotado para o Vestibular,
foi feita uma reedição. Ele tinha publicado dois livros num
ano só e eu naquela paixão. Eu queria que sobessem dessa
poesia através de mim. Então eu fui recebdo outros. Quando
eu estava tentando compreender um, lá vinha mais um livro de Francisco
Carvalho. A minha vivência com a poesia de Carvalho é sempre
isso, é eu tentar me ultrapassar. Ela vai sempre trazendo mais alguma
coisa. E a gente não tem a pretensão de saber sobre, mas
se a gente se aprofunda, tem a impressão que se chega até
um ponto, aí vem mais.
Diário do Nordeste - E sobre Uma Poesia de Tanatos e de Eros?
Mailma - Quando eu estou
escrevendo atualmente eu acho que tudo está vindo da poesia do Carvalho.
Eu acho que eu já não estou escrevendo sobre ela, mas o que
ela me deu contribui para o que eu continuo a escrever. A poesia do Carvalho
me trouxe essa consciência maior de ultrapassar minha capacidade
de escrita, de tempo, de convivência até com meus próprios
problemas mesmos. Especialmente neste primeiro livro.
Diário do Nordeste - E essa associação mitológica?
Mailma - Eu me utilizo dessas
duas expressões das mitologias greco-latinas porque o próprio
Carvalho usa. Isto vai ser mais explorado no segundo livro, O Substrato
da Cuaderna é onde eu vou abordar essa ida dele aos mitos e a poesia
dele como um todo incorre muito no uso de Tanatos e de Eros, que a representação
da morte, do mensageiro da morte. A mitologia não é muito
clara quanto a isso. Às vezes até a escrita muda, então
eu usei essa escrita e meu orientador nunca criticou e no próprio
mito. Existe uma versão e existem outras, mas eu utilizei basicamente
porque o Carvalho usa em sua poesia, e usa bastante. Utilizando esses dois
termos eu vou percorrendo a poesia do Carvalho desde 1955, com O Cristal
da Memória, até 1997 com Os Girasóis de Barro. Primeiro
encontarndo facilmente a temática da morte. Sem dificuldades se
eu comparar com a parte que eu estudo Eros. A morte é a temática
primordial no texto da poesia do Carvalho e eu fui beber um pouquinho em
Heidegger para tentar justificar que não é só na poesia
do Carvalho, mas é comum se encontrar a morte na poesia. Esta é
a minha leitura da poesia do Carvalho. Mas tentando buscar em Heidegger
que cada um de nós é um ser para a morte. Partindo disso
o próprio Eros, todo o contrário, a representação
da vida, desejo do que seja, não só o desejo sexual, mas
o desejo de existir. Porque o Eros representa tudo isso. Esse desejo, esse
Eros, também vem do Tanatos. Na minha visão eu distribuo
o meu trabalho assim para mostrar que a morte é irrecuável.
Todos sabemos, o que importa é buscar a forma de viver, embora se
saiba que não vai resultar positivo, uma vez que ninguém
é imortal.
Diário do Nordeste - E o amor é tão constante quanto
a morte na obra?
Mailma - No livro, da página
73 até a 180 é o espaço de Eros, como eu chamo. A
maior dificuldade do trabalho foi encontar esses espaços de Eros.
Porque como o Octavio Paz diz no livro A Dupla Chama - Amor e Erotismo,
a mãe universal é a morte. E é verdade. Por isso foi
difícil encontrar os espaços de Eros, a morte foi fácil
encontrá-la, como eu digo os esconderijos da morte eu vou buscando
em tudo. No ambiente como um todo, especialmente é o amor e a natureza.
Esses dois entes fazem o brilho da existência da gente.
Diário do Nordeste - Qual sua opinião sobre o livro?
Mailma - Não é
um livro que eu ache que tenha ficado feio por causa da morte. Eu considero
na verdade um louvor à vida Uma celebração da vida
que eu vou colher na poesia do Carvalho. A morte é uma entidade
que passa a valer a vida. Eu ter a consciência de que sou mortal
cada vez mais quero aumentar o brilho deste existir. A poesia do Carvalho
que fala no amor, na mulher amada é muito especial, é para
ser dita e mostrada.
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