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Moacir Amâncio
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Eloésio Paulo
O poeta Moacir Amâncio traz o olhar ‘à flor da boca’ 

 Novo livro do escritor confirma sua capacidade de transformar o ‘impulso fenomênico’, ao estilo João Cabral, em poesia, por meio de uma conjunção muito pessoal de elementos. 
 
 

Amancio, by Kenji Honda/AE, 2001
As metáforas de Moacir Amâncio respondem a uma preocupação central da filosofia moderna, o que também as afasta de qualquer esteticismo gratuito
      Na eterna dialética da poesia entre expressão e construção, Moacir Amâncio está mais próximo do segundo pólo. Desde Do Objeto Útil (1992), livro com o qual obteve o prêmio Jabuti logo na estréia como poeta, Amâncio, que anteriormente escrevera dois volumes de prosa, tem perseguido insistentemente uma depuração de seu estilo. 
      Os últimos resultados desse exercício de concentração poética mostram-se em Contar a Romã, quinta coletânea do autor, que também é jornalista.Se se procurar, como é comum, um antecedente direto do poeta, chega-se sem muito esforço ao João Cabral de Um Cão sem Plumas, com cuja máquina metafórica a de Amâncio tem inegáveis semelhanças. Mas, se é verdade que ele partilha com Cabral, como bem notou Antônio Medina Rodrigues, o “impulso fenomênico”, também é inegável que transforma tal impulso em poesia, por meio de uma conjunção muito pessoal de elementos. Nada de antilirismo programático ou afinidades temáticas evidentes; nada de epigonismo, enfim.

      Uma imagem como “O tigre passeia claros/ pela estrutura da treva”, por exemplo, flerta com o indizível, que vem justamente a tornar-se dizível pela eficácia do código poético, numa aproximação primeira com a realidade em estado “anterior ao compreender”. A proposta é nomear os objetos como se eles nunca tivessem tido nomes. Contar a Romã explicita e exemplifica o título. 

      Difícil poesia essa das “Práticas Vermelhas”, um conjunto de 33 poemas de forma fixa da primeira parte do livro. Amâncio dispõe heptassílabos tensos em grupos de três tercetos, numa sintaxe econômica e picotada de elipses. Há uma teia de referências cuja continuidade explicita-se aqui e ali, quando um poema começa com o advérbio “depois” ou quando se nota que o labirinto do chão se espelha no inviável vôo, o céu labiríntico de Ícaro: “Para o filho do pedreiro,/ o labirinto no céu.” 

      Uma segunda seqüência de poemas, “Exposições”, retoma o projeto de Figuras na Sala (1996). Aqui o poeta exercita sua muito própria educação dos sentidos, com ênfase na visão. Em Moacir Amâncio, o instante é tudo: a fulguração de perceber as coisas de chofre, falando delas como quem procura transformar em “súbitos cristais” o visto, trazer “à flor da boca os olhos” (estas, expressões do último poema de Contar a Romã). A exposição dos objetos da casa é a arte privada de um poeta que vê e escreve frutas, obras de arte, insetos, batentes de porta, coisas que todo mundo veria sem poesia. Uma narratividade explícita mostra a exposição fazendo-se: percebe-se “nova, a poltrona”; logo depois, “começam presenças”. 

Poemas curtos 

      Uma intrigante experiência é “O palácio da fronteira”, poema-reportagem que entremeia pentassílabos enxutos e prosa, a lembrar os melhores momentos de O Olho do Canário, livro de 1997 em que Moacir Amâncio atingiu a excelência como artesão da palavra e revelador das coisas-no-mundo. Nesse texto, o microturista que é o poeta, viajante do cotidiano, ironiza as “quinquilharias” kitsch em que a indústria do turismo transformou a história e os monumentos arquitetônicos, espetacularizando-os para trazê-los ao nível filistino de compreensão sintetizado na figura da guia turística, uma “alentejana de vogais implícitas” a comandar a incorporação dos visitantes ao valor agregado cultural do cenário. 

      Na segunda parte de Contar a Romã, intitulada “Occhiobello”, são mais comuns os poemas curtos, embora um deles, “Aquarela”, obedeça ao mesmo princípio pictórico-nomeador de “Práticas Vermelhas” e “Exposições”. Um desses poemas curtos, intitulado “Álef”, talvez contenha a pedra de toque para se compreender a poética de Moacir Amâncio: às vogais, a que Rimbaud atribuiu cores e que Spinoza chamou a “alma” da fala, contrapõem-se as consoantes, ossatura do real, cristal e lente pelos quais passa a “luz que permite a/ leitura da frase/ única e final”. 

Eloésio Paulo é doutorando em Letras na Unicamp e autor do livro de poemas Primeiras Palavras do Mamute Degelado (Coleção 100 Leitores) 
 

CONTAR A ROMÃ, de Moacir Amâncio. Globo, 106 págs., R$ 18,00. 


Jornal da Tarde,
Caderno Sábado, 18.8.2001
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