Manuel da Fonseca

Poema da Menina Tonta

A menina tonta passa metade do dia a namorar quem passa na rua, que a outra metade fica p'ra namorar-se ao espelho. A menina tonta tem olhos de retrós preto, cabelos de linha de bordar, e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho. A menina tonta tem vestidos de seda e sapatos de seda, é toda fria, fria como a seda: as olheiras postiças de crepe amarrotado, as mãos viúvas entre flores emurchecidas, caídas da janela, desfolham pétalas de papel... No passeio em frente estão os namorados com os olhos cansados de esperar com os braços cansados de acenar com a boca cansada de pedir... A menina tonta tem coração sem corda a boca sem desejos os olhos sem luz... E os namorados cansados de namorar... Eles não sabem que a menina tonta tem a cabeça cheia de farelos.


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