Marcelo Backes
Breve nota interpretativa sobre a
obra de
Fausto Wolff
Fausto Wolff é um mestre na arte de
combinar autobiografia e ficção, memória e história, invenção e
realidade. Desde O acrobata pede desculpas e cai, de 1965, até
Olympia, obra inédita, são quatro décadas de literatura mesclando eu
e mundo no caldeirão da arte.
O romance À mão esquerda, de 1997, é o
momento mais alto na produção de Fausto Wolff. Ele pertence –
garanto – ao seleto grupo dos melhores romances brasileiros dos
últimos vinte anos e é um dos poucos que pára em pé, tanto física
quanto metafisicamente. Tem quase 600 páginas e, por qualidade épica
e lingüística inscreve o nome de Fausto no primeiro time dos
escritores brasileiros. A simbiose entre autobiografia e ficção,
entre memória e história é tanta no romance que a própria mãe de
Pérsio, o personagem principal, chega a opinar sobre a obra anterior
de Fausto: “logo no primeiro livro – é esse aí mesmo – O Acrobata
não sei o quê, falou algumas coisas da família, principalmente sobre
meu falecido marido, que não gostei”.
Em Olympia a mistura coerente entre
memória e história é levada às últimas conseqüências. Se Joel de
Freitas – de Joel Silveira mais Jânio de Freitas –, o personagem
central, carrega todas as características de Fausto e mais algumas,
a certa altura chega a propor um passeio à casa de Fausto Wolff aos
amigos, a fim de lhe tomarem uma pistola emprestada. O jogo
metalingüístico entre Narrador, Deus e Personagem – todos eles são
Fausto Wolff; o verdadeiro nome de Joel, que já é Fausto, aliás é
Jeová – é grandioso no romance; a simbiose perfeita. A comunhão
entre o mundo da criação literária e o da criação divina é executada
com finura.
Também os elementos do romance
policial, que o autor mostrou dominar com O lobo atrás do espelho,
estão presentes em Olympia. No citado O lobo... aliás, o
“memorialismo” de Fausto também dá as caras. O bandido do romance
lembra o Mão Esquerda de Deus, o Deus de Olympia e mais uma vez o
próprio Fausto: “Wolf” é lobo em alemão. No fundo, o assassino, seja
a mão esquerda de Deus, seja o lobo, seja o próprio Deus – como
acontece em Olympia –, é sempre Fausto Wolff.
Se passeia com desenvoltura no romance
– inclusive no infantil, é só ler Sandra na Terra do Antes –, Fausto
também dá tacadas precisas no terreno do conto. O nome de Deus e O
homem e seu algoz, duas obras iguais, apresentam a mesma visão de
mundo, a mesma crítica social avantajada, o mesmo humanismo
incontido e pululante e sentem as coisas todas da vida com a mesma
pujança de À mão esquerda ou de Olympia.
Na lírica, Fausto Wolff é simples, sem
grandes elaborações; coloquial. Faz poesia para ser lida em voz alta
na roda dos amigos, declamada depois de uma ronda noturna ou cantada
numa serenata, e não exige do leitor nem compêndios, nem réguas e
compassos para medir versos. A crítica social e política –
onipresença na obra de Fausto – aparece também em sua poesia, e não
poderia ser diferente, sobretudo num livro que, em título e
conteúdo, corresponde tanto à súmula artística do autor (falo de O
pacto de Wolffenbüttel).
Muito além de falar do que viveu,
Fausto Wolff fala daquilo que sentiu, e profundamente, combinando o
sentimento subjetivo da memória à realidade objetiva da história. Na
teoria meio apavorada desenvolvida por Luís Augusto Fischer certo
dia, que dividia os “alemães”, inclusive seus descendentes, em
homicidas e suicidas, Fausto se alinha entre os primeiros, mas com
melancolia. Quer dizer, lamentando profundamente que tenha de ser
assim... Inclusive os deuses de Olympia matam para eliminar o vício
da realidade. Fausto o faz na ficção; sentindo que os apelos da
realidade no mesmo sentido são grandes.
(Publicado na Revista Aplauso)
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