Marcus Accioly


Seis "Vozes d’África"
O Negro Sol

1 Eras (antes d’América) a América de negro sol na pele escura (ó África) teu rei era um leão que (da floresta) fazia sua expedição de caça e (de juba ou coroa na cabeça) reinava a solidão que te reinava com a própria liberdade (uma leoa que era tua rainha sem coroa) mas morreu esse rei e outros vieram (astralopitecínios que emergiram dos animais) e todos te quiseram e todos (nos seus reinos) dividiram a rainha-leoa ou lhe impuseram a própria escravidão que conseguiram através de uma história que te fez monopólio do Império Português (sim) que Diogo Cão chegou ao Congo (Bartolomeu ao Cabo das Tormentas) e o velho Gama (em seu percurso longo) sentiu as tuas terras sob as ventas (a lei do teu comércio foi o escambo dos teus filhos que já não amamentas do leite e que amamaentam com seu sangue o mundo que com eles fiou grande) continente gigante e pigmeu (lavrado pela daba primitiva) se aa Esfinge do Egiyo te comeu perto do Cabo Branco (na Tunísia) a África do Sul (que conheceu o apartheid do branco que domina) tem um leão (Mandela) que te traz (com sua pele negra) a branca paz A Cor é Negra 2 a cor (a cor) a cor (a cor) a cor é negra (sim) é negra (por que não?) negro é o universo e este universo (por tanto sol abrasado) é a escuridão total (escuridão que faz supor a cegueira da luz) a dimensão infinita do escuro (o absoluto manto da solidão) ó rei de luto (continente-africano) ó rei de escura pele (ó couro de rei) ó rei curtido e enrugado no trono (ó carne dura que veste o rei do seu real vestido sobre o marfim dos ossos) rei à altura de outros reis-continentes (rei erguido feito a águia que ao sol em fogo voa) ó rei mais alto que a própria coroa (ó rei-leão) ó rei-jaguar (rei-tigre) hipópotamo-rei (rei-elefante) macaco-rei (rei zebra) rei-antílope (rei-leopardo e rei-rinoceronte) ó rei que vive (com a rainha) livre (rei-esposo) marido-rei (amante- da-liberdade) rei que sabe a lei do seu reinado (a lei da selva) ó rei de cor (de cor) de cor (de cor) de cor negra (sim) de cor negra (por que não?) já não quero cantar a tua dor (continente-africano) é uma canção que te quero cantar ( o teu senhor é Deus) basta de tanta escravidão (ó continente-rei) basta de açoite que o sol é sangue ( a lua é sangue ) a noite O Sangue era Vermelho 3 esfolaram à faca a tua cor (extraíram-te as vísceras) notaram que o sangue era vermelho e (dentro) a dor também doía igual (não encontraram qualquer vestígio de alma nem rumor de humano sentimento contemplaram onde o teu coração) "é um animal" (e tratada tu foste como tal) o sol curtiu teu couro feito um céu espichado por varas (o simum dobrou do centro ao norte o seu chapéu- de-vento em teu cabelo ruim) "algum dia erguerei da boca um escarcéu que subirá a Deus" (disseste em um tom que não disfarçava a voz azeda e pediste os relâmpagos da zebra) "ó escada do pescoço da girafa deixa eu subir pr ti meus pés Àquele (suplicaste) "leão de férrea-pata dá-me da tua força e tu (ó pele- de-aço) rinoceronte (de blindada carapaça) consente que eu te sele feito um cavalo e (com teu chifre) arrombe o mal que (perto) veio de longe " (continuaste) "e tu também (cavalo- de-rio) ó boi chamado de hipopótamo que és obra-prima do Senhor (deitado à sombra do teu junco e do teu loto) não me negues o teu furor guardado nos abismos da lama (onde teu osso de baleia é encalhado) eu sou a África" (e choraste através da negra náscara) Benjamin Moloise 4 Benjamin (Benjamin Moloise) acorda os teus olhos da morte (negro) eu ouço o teu canto subindo pela corda onde balança ao vento teu pescoço sob a "gravata" (branca) e sob a bota (de Botha) a cal é viva no teu fosso próximo ao muro da prisão (ó África- do-Sul) pérola-negra (escura-lágrima) marfim-queimado no elefante-vivo (noite dentro do túnel) Benjamin vejo teu canto sob o poste (grito e o meu grito é teu grito até o fim da voz apunhalada no conflito do Cabo ou Jahannnesburgo) antes assim (poeta-guerrilheiro) antes ser homem (tua raça se orgulha do teu sangue) já não importa o pesadelo (sonhas e ninguém pode dominar teu sonho que é mais forte e mais alto que as montanhas) em teu carvão se acende um fogo estranho com a estranha luz que trazes das entranhas da África do Sul (do seu medonho mundo) da capital sem paz (Pretória) que com teu giz-noturno escreve a história (o carrasco descansa) "executado" (ó República d’África do Sul) te canto à esquerda margem do rachado continente (ou d’América) ó tu e eu estamos cada um de um lado do mar (ou da cadeia) em que jaz nu sob o pó (Benjamin) até que vento cubra com a minha voz o seu silêncio Nelson Mandela 5 "ó África do Sul (Nelson Mandela o teu filho é meu filho: eu sou a América) quando a noite era toda teta de cor (e teu mamilo a sua estrela) o teu leite era luz e eras (mãe-negra de onde a raça de Winnie) forte e bela (feito a girafa erguias o pescoço a um céu de sangue e nervo e carne e osso) até que os holandeses (africânderes e boêres) seguidos por ingleses (nitilanders) vieram das distantes terras sobre o teu povo e tuas reses e as presas de marfim dos elefantes e o ouro em Transvaal (porém teus chefes saltaram do Kraal como se antílopes com as lanças dos seus chifres contra os tigres) ó Áfricapartaid (enquanto a hiena gargalhava à pantera) do teu coito com a árvore-real da tribo themba (reserva de Transkei) veio a dezoito de julho de dezoito (última lenda da tua história) o homem (sonho afoito de liberdade) aquele que seria pastor dos teus leões (Mandela) o guia (ó minha negra-irmã) quase três décadas de prisão não dobraram o espinhaço do lutador-de-boxe (entre as celas raiadas no seu pêlo) nenhum braço logrou forjar seu ferro entre perpétuas condenações pois ( sob o mesmo espaço na jaula de Mandela) estavas tu (leoa escura) África do Sul" Zumbi 6 "uma cria de sexo masculino com escassos dias de existência" (no ano de mil seiscentos e cinquenta e cinco) foi achada entre os presos de um mocambo palmarino e chamada de Francisco por seu preceptor ( o padre Antônio Melo) sua cor negra era a da onça- preta ou pantera (como conta a crônica) fugiu aos quinze anos (coroinha tornou-se guerrilheiro)foi Zumbi ("deus-da-guerra") na crespa carapinha pôs palmas dos Palmares e dali dividiu sua guerra entre a guerrilha contra Domingos Jorge Velho e a luta contra o tio Ganga-Zumba que baixava o Quilombo ao rés da tumba (tinha uma cobra armada em cada mão e um gavião pousado em cada olho) combatendo Manuel Lopes Galvão sofreu um ferimento (ficou coxo) por Antônio Soares (à traição) foi furado a punhal e (do seu corpo castrado na raiz) teve (na oca garganta) o próprio pênis preso à boca (América) porém ainda hoje (da queda de Macaco) se levanta aquele que nos dentes morde o mole pênis que a língua excita (na garganta) até que esporre sangue e em sangue goze a voz que (viva ou morta) à noite canta (na Serra da barriga) "cedo ou tarde há uma saída para a liberdade"


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