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Meu amigo Roberto Pires — ele mesmo quem conta
— leu umas doidices qu'eu escrevi e danou-se, ele mesmo, a escrever (e
bem!). Como se fosse pouco, empesteou de letras todo o trecho — Camocim,
a bela cidade de Camocim, litoral do Norte do Ceará, ali pros lados
de Jericoacoara. Fundou O Literário, um belo jornal virtual de contos,
história e poesia, que tem feito um grande escarcéu ao redor
do mundo.
Sabem o que ele fez mais? Uma Academia de Letras! Muitas cidades do Brasil
têm academia de letras.
Roberto Pires faleceu aos 67 anos, na cidade de Sobral onde estava internado com problemas
de saúde. Veja a nota de pesar do portal
Camocim Online.
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Sem o glamour e os recursos da ABL, academias literárias se espalham pelo país com saraus à luz de velas e até karaokê BERNARDO SCARTEZINI
À frente da Academia Taguatinguense de Letras, o presidente J. Simões resume o teor das reuniões: 'Nossa luta é manter viva a cultura' BRASÍLIA - Gurupi fica no coração do Brasil. Estado de Tocantins, a 240km ao Sul da capital Palmas, a 750km de Brasília. Erguida no cerrado, a cidade de 65 mil habitantes também reúne seus literatos, de recente história. A Academia Gurupiense de Letras (AGL) foi fundada há menos de um ano, em novembro de 2000. É a prima mais jovem das inúmeras academias literárias que se espalham pelo país, com mais ou menos recursos, maior ou menor glamour. Entidades civis à sombra da Academia Brasileira de Letras (ABL), com postos menos badalados, fora das pretensões de Paulo Coelho, Zélia Gattai e Jô Soares. Mesmo distante dos holofotes da imortalidade literária, a AGL procura seguir a tradição da altiva Academia Francesa de Letras. Assim, reservou 40 cadeiras para membros vitalícios. No momento, apenas metade das vagas está ocupada. A cada ano, a academia pretende acolher dois novos sócios, eleitos em assembléia interna, até se fechar o grupo. Para se candidatar, segundo o estatuto da AGL, o pretendente deve morar no município há três anos, ser ''ativo'' no circuito cultural da cidade, e cumprir a idade mínima prevista de 35 anos; o que garantiria que a veia literária está algo amadurecida, não representando mero arroubo da juventude. O poeta e jornalista Gil Correia, 41 anos, correspondente local do Jornal de Tocantins, de Palmas, dá expediente na AGL todo fim de tarde. Coloca em dia a correspondência, prevê sessões especiais, bola concursos literários e apruma as contas. Tarefas de presidente da casa. O cargo não é remunerado. Ao contrário: cada sócio paga anuidade de meio salário-mínimo. Mas Correia nem reclama. Até porque sua casa fica a uma quadra da sede da Academia: dois quartos e um banheiro alugados - por R$ 150 mensais - em um casarão da Av. São Paulo, 1.345. Ele vai a pé. Ator global - A sociedade já editou seis livros de seus acadêmicos, todos com tiragens de mil exemplares. O mais recente, Realidade patente, coletânea poética do advogado Mário Antônio Silva, ganhou noite de autógrafos agitada. Os escritores desembolsaram R$ 7 mil para levar Jackson Antunes até lá. O ator global abrilhantou a festa declamando poesias do livro. O próximo lançamento, Espelhos d alma - Reflexões poéticas, é a estréia em livro de Gil Correia, que até hoje publicou poesias apenas em compilações e jornais do interior. A solenidade acontece dia 30 de novembro, comemorando ainda o segundo aniversário da academia. Com leituras e karaokê. Os acadêmicos de Gurupi não usam fardão. Não dá para usar. A média de temperatura por lá, no verão, beira os 38, 39 graus. Em tais condições, até um prosaico chazinho pode cair mal. Mas clima semelhante não dobra a baiana Academia Ireceense de Letras. Seu presidente, Erick Machado, estuda a possibilidade de adotar o uso do mesmo traje de Austregésilo de Athayde em 2002. ''O problema é que acho difícil os alfaiates da região terem técnica para fazer um fardão. Vamos ter que encomendar fora'', avalia Erick. Esse inédito escriba de 26 anos e dois romances engavetados assumiu a presidência da academia após pedido de afastamento do antigo mandatário, o cronista Jackson Rubem, mais preocupado em manter o emprego numa gráfica da cidade. Erick tem conseguido conciliar a presidência com seu ganha-pão: é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira do ensino médio. Irecê fica encravada no Polígono da Maconha, no Noroeste da Bahia. Seus 50 mil habitantes testemunharam, ano passado, o racha na antiga Academia Ireceense de Letras e Artes (Aila), que perdeu a parte final de seu nome ao dispensar músicos e pintores que faziam parte do grupo. ''Eles não primam pelo bom uso da língua portuguesa, além de reclamarem da obrigatoriedade de terno e gravata nas reuniões mensais'', explica o vigilante Erick Machado. Fardão, então... Confrades - Em Irecê, a compostura é prevista desde o estatuto, inspirado no da Academia de Letras de Feira de Santana. No melhor estilo ABL, as reuniões (fechadas ao público em geral; forasteiros apenas mediante convite) são iniciadas com a palavra do presidente, seguida por leitura de poesias e alguma discussão literária que se apresente. Para fechar, chá com biscoitos para os ''confrades'' - é assim que eles se tratam. Em Jundiaí, interior de São Paulo, a atmosfera é mais libertária. Tem sido assim depois que um grupo de escritoras driblou o machismo do mundo cultural local fundando a Academia Feminina de Letras e Artes de Jundiaí (Aflaj), há 29 anos. Se mulheres sempre são minoria nas associações literárias, as de Jundiaí fizeram sua própria academia. E deixaram os barbados de fora. A atual presidente, a psicóloga Denise Bragotto, 36 anos, solteira, batalha um processo de abertura lenta e gradual, ainda que continue vetada a presença de homens. Como de praxe em academias, a Aflaj promove concursos de prosa e verso e edita seus livros, em parceria com empresários e gráficas. ''Nosso desafio é ampliar o contato da academia com a sociedade. Chegaram a me perguntar que língua falávamos em nossas reuniões, veja só. Pois as academias têm essa imagem de serem distantes, inacessíveis'', conta Denise. Para desmistificar, Denise faz de cada lançamento de livro seu - já são três títulos, reunindo poesias e estudos entre psicologia e literatura - um happening. Sarau com esquetes teatrais em bares da cidade, à luz de velas. Nos planos, festinha em parceria com um circo. Trovadores - São ares de renovação que não sopram em Fortaleza. A Academia Cearense de Letras (ACL) se auto-intitula ''a mais antiga do Brasil''. Criada por Capistrano de Abreu e Clóvis Bevilácqua, em 1894, é quatro anos mais velha que a afamada ABL. ''Mas nós, artistas do Nordeste, sempre somos colocados em segundo plano, preteridos pelos artistas do Sul'', reclama Artur Eduardo Benevides, 78 anos, presidente da casa, eleito ''príncipe dos poetas cearenses'' por 19 institutos culturais do estado. A academia conta com pelo menos uma imortal, a romancista Rachel de Queiroz. Há dois anos, a ACL ganhou da Assembléia Legislativa o Palácio da Luz, antiga sede do Poder Executivo cearense, construído no final do século 18. Com instinto de preservação cultural, Benevides achou por bem dividir o prédio com colegas menos favorecidos: a Sociedade Amigos do Livro, a Sociedade de Retórica do Ceará, a Academia de Letras e Artes do Nordeste do Brasil e a Sociedade Cearense de Geografia e História, além da sucursal da União Brasileira dos Trovadores. Para lá se muda, ainda este ano, a Orquestra Filarmônica do Ceará. Ufa. O mesmo instinto de juntos-chegaremos-lá fez nascer a Associação dos Poetas Profissionais no Estado do Rio de Janeiro (Apperj). A idéia de ''poeta profissional'' não soa exatamente romântica, mas foi necessária para o poeta luso-carioca Francisco Igreja. A Apperj surgiu como dissidência do Sindicato dos Escritores Profissionais do Rio de Janeiro, em 1988. ''Pensamos, nós, poetas, em fundarmos outro sindicato, mas mudamos de idéia. Sindicato tem em todo lugar e nunca dá em nada'', ri o carioca Sérgio Gerônimo, 39 anos, presidente apperjiano, que vem cavando espaço entre os estudantes da Universidade Estácio de Sá com as rodas de poesia do projeto Uppa (Um Poeta Passou Por Aqui). A entidade reúne mais de 300 poetas, inclusive fora do Rio - e é apenas uma entre um punhado de agremiações literárias no município. Em reuniões mensais na Trattoria Gandino, no Largo do Machado, eles discutem assuntos poéticos (gêneros e autores) ou nem tanto (mercado editorial e política). No debate, Sérgio Gerônimo entra com sua experiência como jogador-e-cartola. Ele é dono da Oficina Editores e, sob o selo próprio, lançou seus quatro livros. E ficou escaldado. O primeirão, Profana de afins (1991), teve a tiragem habitual de mil exemplares. Sérgio levou oito anos para acabar com o estoque. O recente Coxas de cetim (2000) tem saído da rotativa a conta-gotas, sob encomenda. Está ainda no exemplar 500. O número também pode não soar romântico, mas é realista. |