Moniz Bandeira


Canto do Outubro

Que ficou de teu mundo? Onde aqueles que te ajudaram a construí-lo? Os muros tragaram balas e palavras e a erva cresceu sobre os lábios dos mortos que a noite ocultou. Sempre noite, sempre inverno, flocos de neve caindo na memória dos que marcaram as estradas do tempo. Os mortos. Sangue, pólvora, cinza, pedra, e um século preso nos seus dentes. Vê a alvorada, a alvorada que vem, que ainda vem, que surgirá de lágrimas e de sonhos, quando nos campos, verdes campos, hoje cobertos de neve, as sementes brotarem e as árvores florescerem. quando todas as vozes, rasgando túmulos e quebrando espelhos, vibrarem nos subterrâneos do mundo. Vê quantos homens caminham pela madrugada. Eles esperam por ti. Esperam que os relógios sangrem à dor das horas. Que os rios contidos desemboquem pela boca dos mortos despertados ao canto das aves e dos clarins de fogo da alvorada. E o sol, O sol que tu levaste nas mãos, será de todos.


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