Atiro pedras à
escuridão.
Procuro a noite, e
sua textura,
Palha que me enruga o
rosto,
Cauteriza minhas
mãos, eterniza a procura.
Vejo a noite
dos olhos do ancião
vertida no chão
Que repensa o grão
E replanta o homem
E o emulsifica.
Renasce como
Fênix.
A realidade opera milagres
Com unhas e presas,
vícios e dentes,
ou em choro se
desprende
E joga-se desta
folha-alpendre
Até por fim à matéria lançada
Nas chamas de
que me visto.
Vulcões que o homem
acende
com o fósforo da
imaginação
que lhe
queima casa e jardim
E dele se apodera
E o recupera à
escuridão.
Toda a busca se curva
ao cansaço,
que enruga,
que chupa pele e osso
e nos cospe ao fosso
escuro de solidão e
febre,
Que na dor faz seu
jazigo.
No cromo de nossa
carne,
A noite queima seu petróleo
E desce lava a nossos
corpos desprotegidos.
A noite
intensa explode
a cada
canto,
a cada
alarde,
a cada
parte
Que se nutre de seu
óleo.
A banda escura cai podre na cidade
E impregna as ruas de vento
e de cansaço
Com suas pegajosas mãos de
cera e ungüento.
A noite é um cais ardente
Onde atracamos
urgentes e com fúria,
E o mar de cansaço que
o circunda
Banha nossos corpos
ácidos de pó e de infinito.
A noite cai qual pedra...
A gente vai, fora das
pernas
e
dos ombros,
se
sustentando de paisagens,
por dentro.
Mas a noite larga-se
sobre as casas,
antecipa-se à luz, que tarda:
momentos
de angústia e sofrimento.
Mais que isso: flui
seu mito e seu aniquilamento.
Infinitiza-se na
substância têxtil
de sua onipresença,
E nos confundimos da
inquietação dos astros.
Chove uma noite cromática,
caída em cada
desejo cuspido da alma,
como um assombro
em nós exilado, de menino.
A noite máquina tece
seu
pano
negro
A que meu corpo de
névoa se afeiçoa.
E me amparo nesse
existente
plasma
que a vida
desmancha adiante.
E desmedido fujo pelo atalho porque se
infinda,
Escotilhado de poros
e esperanças
Que se avolumam no
meu peito
Qual montanha
De carvão e gestos a
incendiar meu sonho.
Arrasta-se a manhã,
que não vem; estiola-se
E fico a contemplar
perpétuo o infinito.
Expressão em nódoa numa vaga nitidez
de obesas formas
perdidas do universo em noite.
Meu corpo,
objeto trágico à luz,
sem bússola,
percebe-se desentranhado
Do pó
Que vem com a
noite.
E vê-se enorme,
flutuado templo,
Transladado viajante,
presa fácil dos astros vadios.
Vaso
pipa
retalho
Vaga vazio de mim por
dentro
Abrindo uma porta
para o infinito.
E cai de mim um abismo
de cansaço e mofo.
...Me escorro das
entranhas e sofro
noctívagos ritmos...
De mil furacões de
pedra meu coração esmigalha-se.
A noite mutila as
rotas,
e as açucenas
espalham-se,
Fertilizam a terra
E lançam as sementes
de que se debulham
os sonhos
de que se
alimentam agora minhas mãos.
A escuridão desgarra-se por aí
E nos recolhe ao seu
ventre.
Desliza suave ébano
Das geleiras do
tempo.
Volto ao chão
Com as mãos que no ontem me depositara:
A mim me busco no meu corpo que me exala.
Pois em ter-me emerso, posso descobrir-me,
debulhar-me
E espalhar-me a
vento, a semente, a gente, a genes.
Procuro a mim, que de
noites me edifico.
Atiro-me pedra à
escuridão.
Asilo a dor
Em
pequenas porções de calma,
Como um ancião
a
catar milagres,
a
recolher fantasmas;
a servir-se de si
Em carne e tempo.
...Me desespero e me quero do ontem,
de seus
porões,
sem mais
nada para dar,
sem mais
nada que tirar
Do que há por deuses.
(...)
Que não há mais os
deuses!
Há muito que fazer.
Há muito que gritar
perante a dor:
Esgotaram-se as
felicidades!
Meus olhos de pedra
paralelepípedo estancaram-se,
Lápides fecharam-se e
a mim mais
Transitar não importa
pálpebras ou selvas.
Apenas quebrei o vôo
Da ave que o espírito
lança
Na desordem em carne.
Pois a ódio move-se o
pão,
A planta-mão-enxada.
A aço movê-la, executá-la mais que inútil
capim
É boiar nos campos
mapas colhidos a vento,
Como semente de terra
Que a terra desterra.
Destilá-la, chovê-la dentes pés
Corpo vegetal amigo é
vivê-la árvore sombra e sol,
até o
tempo ingerido vômito brotá-la
dessa
visão magra, arreciferada,
onde mendigos-cães mordem o lixo,
e de suas
casas-latas
Movem-se objetos da
antivida
da ante-rua
Da tarde que queima
feito chicote
O sem sentido ser
corpo entulho.
Não há
travas ou laços
Nem
algemas no outro que esmurro.
...Me canso só do
cansaço
e me
vejo prostrado ali, sem-fim,
A lhes dar, feito bicho
que
se apedreja no escuro,
do
entulho, o fardo.
Assim, ao cativo de mim,
dai-lhe pernas para fugir,
dai-lhe voz para que eu o ouça.
Mas que a dor e a
fantasia
Façam-se o escudo
oportuno,
Que em dia exato
Há de encher-lhe o
vácuo
Com suas alegorias e
húmus.
O mundo
apodreceu
no
esquecimento feliz
que me
ilumina o momento,
pois que de humana carne
infecta
em seu
passado reteve-se, fez-se.
O universo está algo...,
Que de imaterial
consagra
O objeto inacabado
dos sonhos
E põe cansado o homem
Nesse imerso largo
A seguir-se despido do humano,
Dizimando seu dogma
doentio, na terra de si mesmo,
Sem a percorrer mais
que poucos
palmos
Na infinidade onde
está preso.
E a couraça de vento
Que a ele sustenta
A quinhentos anos,
Alimenta o ar
Que em mim corre
subterrâneo.
Ao dia suspenso no
fruto
A paisagem cheira.
O almíscar não cansa
o tempo,
Objeto à-toa.
O grão se põe na
areia,
Potente ou impotente,
Fragmento do mundo.
A noite sua sombra
enorme cai
Por sobre os ombros
da cidade insone.
Há
uma chance de se viver,
por
oferta ou por procura.
Uma
chance de se ascender
como
presas ou perdas.
— Há uma chance de se
romper
A atadura brutal com que tampas
A boca alheia como quem asteia uma verdade
Nessa loucura de não
ser louco?
No entanto a
sorte e, quem sabe,
até a morte já
não seja terrena — tenra!
Porém o corpo é
deserto,
E a morte, quando
emana,
perde-se do concreto
e da
imaginação; em leve dialeto
Se flexiona, sangra
como de um corte.
Entre o homem e o
objeto feito
Do próprio homem: o guerreiro, a arma
Feita à luz desse dia
congruente e quedo
Que nas pálpebras e
mãos do homem é água,
Há de por fim a essa
saga.
Das porções desse
absurdo,
ungidos os meus e os
teus anversos,
espalhados e medonhos,
encrostados em nossos pesadelos,
Surgem objetos da
espera:
Animais futuros
Povoam o pasto-poema.
Aves extintas
desertam...
Além nossas
lembranças
Guardam-se peixes com
os rios.
Animais insones
caçam,
Que está sempre em
dívida a vida que de outras se extrai,
Mesmo que nos
fortaleça, multiplique-se ou se divida.
Não pela cidade
de que
vejo
meus
inconcretos fusos de sonho,
Mas, por ti,
esperamos:
A cidade desfiada de
que somos;
Dormida nos seios
Polpas do negócio em
negócio
Que de mãos em mãos
Lavados vãos.
Percorro o sono na
garupa da noite.
Lânguidos sonhos povoam a escuridão do poema
Em que me habito
coágulo de vida inorgânica,
de vida que foi
sexo e pêlo, reverso do fio
que a costura ao destino.
Não é absurdo
falar-se assim
Com a boca
Ferida, fechada,
vazia...
Que
não cala nem esconde
A
vergonha: Recife.
Bem
melhor teria-lhe
Mais que a um filho,
seu
vínculo,
seu
estado gene-terra intrínseco,
Inseparável por indivisível.
Mas não pude.
Recife, apoplético
corpo: vejo-o
por sobre o morto
e a si mesmo derramado
corpo
vazio.
Grito que está morto,
Apodrecido — não me
ouvem.
Passam por ele, e negam,
e seguem ao passado enfim,
Reboco que povoa
O Recife
morto,
Posto ao
sol deste porto
De sobre
a ferida aberta.
Do humano nada resta.
Depois da morte
trago
assepsia
à cidade que
ninguém denuncia;
Não se servem
em partes
suas iguarias,
Mas se separam e
aniquilam
O quanto em nós tem
de argila.
Lavei-a com
sangue e orgulho eternos;
Com o cristal mais
puro
dos sonhos,
Hei de fundir-lhe as
noites e os dias
Às cinzas
de minhas cinzas,
no cicatrizado
e definitivo abraço.
E na flor e na terra
dissolvido,
para sempre,
Pulsar nos seus
filhos o gérmen
de seu espetáculo.
E este poema, de
asfalto
por dentro,
alimento do morto futuro
(herança da noite, cimento
De sobre o mundo)...
Este poema já não
pensa em nada mas não se queixa.
Também não me deixa,
Me quer dependurado,
Figurado ou
não,
Encantado ou
preso,
É como ponta afiada
rasgando carne,
Coração e nervo.
Morrendo, porque se morre mil
vezes(até mais).
Abrindo-se, através de cada
olho.
Acabando comigo.
No bruxulear da caneta
Esferograficamente
vazia,
O mundo nos cai do
olho
em letras-carpintaria.
Este poema é feito um
lar.
Folha míope que
estranha sua vegetação caseira.
É terreno, posto
mapa, no desenho da criatura.
Um minerar de coisas
extintas
em
tintas.
Parte de mim
numa certa
parte de
ti.
Teia presa na aranha.
No meio, entressono o
poema.