Mendes de Carvalho
S. Romão
S. Romão é a terra e o mar
T. o vento o luar a noite total e o sol.
Em S. Romão cada um é rei de si mesmo
e lá os reis a valer não têm qualquer realidade
Em S. Romão podemos ficar ao sol
podemos perder-nos dentro da noite
podemos não fazer coisíssima nenhuma
podemos erguer um hino à preguiça
podemos ficar budamente de mãos na barriga
podemos ter poesia que não venha nos livros
podemos ter um cão nosso conhecido
sem nunca nos ter sido apresentado
um cão sem coleira que ladra à lua
livremente cão esquecido do fisco.
O nome deste lugar anfíbio é fictício
para que não o descubram os turistas
que andam sempre com o nariz no ar
e não seja enviado em cartaz para o estrangeiro
e nem sequer o descubra o Manuel Bandeira
que é amigo do rei de Pasárgada
e este não sabe andar sem comitiva
para que nenhum americano vá construir uma pousada
para week-end vinícola.
Em S. Romão não há pintores paisagistas
nem hoteleiros
nem urbanistas.
Em S. Romão ninguém pensa salvar o mundo
o que só acontece às pessoas perdidas de todo
e aos escritores neorealísticamente locais
que conhecem todas as misérias por fora.
S. Romão não é porto de abrigo
Desde já aviso à navegação.
Não há faroleiro os rochedos são perigosos
o mar sem distância é aventura
promessa de peixe
certeza de fome.
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