Mário Cesariny

Rua do Ouro
 
Ai dele que tanto lutou e afinal
está tão só. Tão sòzinho. Chora.
Direcção da Companhia Tantos de Tal.
Cincoenta e três anos. Chove, lá fora.
 

Chora, porquê? Ora, chora.
Uma crise de nervos, coisa passageira.
É, talvez, pela mulher que o adora?
(A êle ou à carteira?)
 

Seis horas. Foi-se o pessoal.
O homem que venceu está sòzinho.
Mas reage:que diabo. Afinal... 
E olha para o cofre cheínho.
 

Sim estou só ainda bem porque não? ele diz
batengo com os punhos na mesa.
Lutei e venci. Sou feliz
E bate com os punhos na mesa.
 

Seis e meia. Ó neurastenia
o homem que venceu está de borco
e sente uma grande agonia
que afinal é da carne de porco
que comeu no outro dia.
 

É da carne de porco ele diz
vendo a chuva que cai num saguão.
É da carne de porco. Sou feliz.
E ampara a cabeça com as mãos.
 

Durante toda a vida explorou o semelhante.
Por causa dele arruinaram-se uns cem.
Agora, tem medo. E o farsante
diz que é feliz diz que está muito bem.
 

Sim, reage. Que diabo. Terei medo?
E vê as horas no relógio vizinho.
Mas, ai, não é tarde nem cedo.
Ele, que venceu, está sòzinho.
 

Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros
Os outros, os que o queriam vencer!
Arruinou-os, matou-os aos poucos.
Então não o queriam lá ver?
 

Sim, reage: Esta noite a Leonor
amanhã de manhã o Sàlemos
e depois? Ah o novo motor
veremos veremos veremos
 

Mas pouco do que diz tem sentido.
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.
O homem que venceu está vencido.
O dinheiro tapou-lhe o caminho.
 

Os filhos? esperam que êle morra.
A mulher? espera que êle morra.
O sóciuo? Pede a Deus que êle morra!
Só a Anita não quer que êle morra!
 

Ai, maldita carne, murmura
vendo a água que há no saguão.
Tinha demasiada gordura!
E veste o casaco e o gabão.
 

Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.
Vai sair. Talvez vá jantar?
É inverno. Lá fora, faz frio.
 

O homem que venceu matou-se
na margem mais escura do rio
ao volante dum belo Packard
 

 
 Remetente : Inês Escobar de Lima