Marcelo Coelho
João Alexandre Barbosa (1937-2006)
Crítico literário e professor na USP,
João Alexandre Barbosa morreu ontem, aos 69 anos. Conheci-o
superficialmente, numa mesa-redonda na Folha, encontrando-o também
em alguns lançamentos literários e andanças prosaicas aqui pelo
bairro de Perdizes: correio, supermercado...
“Superficialmente” é um jeito horrível
de dizer, porque João Alexandre era uma daquelas personalidades que
se dão por inteiro, e num simples aperto de mão, num simples olhar,
ele transmitia um afeto imenso; coisa não muito comum em homens de
letras, ele parecia viver consciente que os homens são tão ou mais
importantes quanto as letras. Na mesa-redonda de que participei,
debatia-se um livro do jovem crítico gaúcho Marcelo Backes, uma
antologia de escritos polêmicos da literatura alemã. Backes
defendia, com vigor, a idéia de uma crítica valorativa, que saiba
espinafrar e elogiar, sem acomodações corporativas e cupinchagens.
“Pois bem”, dizia João Alexandre, se
se trata de “meter o pau”, vamos lá. E com um ardor quase
apavorante, criticou de cabo a rabo o livro de Backes, que a meu ver
não merecia tanta raiva. Claro que Backes não gostou. Mas dava para
perceber –e esse era um traço precioso na personalidade de João
Alexandre—que sua raiva, sua violência até, não tinham veneno, e nem
mesmo muita justificação; provinham da mesma fonte daquele seu
afeto, também injustificado, eu acho, ou gratuito, que seu olhar
dedicava a qualquer pessoa.
João Alexandre era, assim, uma fonte
de calor; pelo menos era assim que eu o via, de mãos dadas com uma
netinha, pelas ruas de Perdizes, ou num acontecimento qualquer da
vida literária.
Vida literária que, como crítico, ele
sempre acompanhou de perto. Manteve uma coluna fixa na revista “Cult”,
cuidando de divulgar tanto os lançamentos recentes quanto os nomes
de seus clássicos de cabeceira. Dostoiévski, Machado de Assis, e
especialmente Valéry e João Cabral, estavam sempre por perto, assim
como Haroldo de Campos e Sebastião Uchoa Leite; mas a tradição
crítica brasileira mais antiga, de Silvio Romero e José Verissimo a
Augusto Meyer, eram referências de que ele não abria mão. De certo
modo, misturavam-se em João Alexandre o gosto pelas correntes
“frias” da literatura (concretismo, Joâo Cabral) e o interesse pelas
figuras mais acaloradas e explosivas da crítica, como Silvio Romero.
Ele escreveu, para a Publifolha, o
volume dedicado a João Cabral na coleção “Folha Explica”; trinta
anos antes, em 1975, seu estudo sobre o poeta (“A Imitação da
Forma”, ed. Duas Cidades) já era uma referência indispensável.
Várias coletâneas de ensaios de João Alexandre se encontram nas
livrarias: “A Leitura do Intervalo”, (que resenhei com certa secura
para a Folha, há anos), “A Biblioteca Imaginária”, “Mistérios do
Dicionário”. São livros isentos de jargão, amigos do leitor, da obra
e da análise paciente; seu olhar equilibrado, desconfiando do
fogo-de-artifício teórico, como se quisesse proteger o texto, cuidar
bem dele, é o mesmo olhar, cheio de afeto e compreensão, que eu
encontrava em seu rosto.
Link para texto de Manuel da Costa Pinto sobre João Alexandre
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