Manuel Couto Viana


Bandeira Rota

Eu chego sempre tarde quando chego; Esqueço-me de mim, a conversar comigo, Cavaleiro manchego! — Que nobres intenções, na hora de sossego; Que vãs prudências vis, na hora do perigo! (A noiva que me fora prometida Vai subir ao altar, por outro acompanhada, Eu disse-me, demais, ao ouvido: "Toda a vida!" Foi a pensar em mim que me rasguei na ferida E fiquei para trás, a tropeçar na espada). Quando escrevo "aventura" desconheço Que a palavra tem sangue e carne e alma. Sei-a moldar, mas só em barro ou gesso; Doce carícia lírica num verso, Quando a paisagem se distende, calma. Mas quando me soluçam "Vem!" e é guerra E esperam por mim, p'ra um novo dia, Indago-me: "0 que fica além da terra?" Que enigmas de fé meu sonho encerra, Mascarando em prudência a covardia! Pé-ante-é, caminho, à espera, alerta, Que venha ter comigo quem procuro; Que metraga, em bandeja, uma vitória certa, Que me enfie, no bolso, a índia descoberta E eu possa, enfim, seguir, glorioso e seguro. Por isso chego tarde quando chego; Esquecido de mim, a conversar comigo. Cavaleiro de manchego! — Que nobres intenções, na hora do sossego; Que vãs prudências vis, na hora do perigo!


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *