Poesia
baiana rediscute sua história e sua realidade
Marcos
Dias
Ao longo
deste século, a poesia deu numerosas provas de vitalidade na Bahia.
A poucos dias da virada para um novo ano, século e milênio,
a vida literária se agita com vários recitais, encontros
e novas formas de veicular e aproximar os poetas da comunidade. Prova de
que Octavio Paz tinha razão quando, em outro contexto, refletiu
que "a poesia não procura a imortalidade e sim a ressurreição".
Oficiais
ou satíricos, maníacos ou bissextos, acadêmicos ou
marginais, a Bahia tem poetas para todos os gostos. E entre uns e outros,
um leque variado de tipos híbridos. O poeta Ruy Espinheira Filho
celebra a diferença: "Felizmente não há uma identidade,
senão ia ficar chato, e com diversidade o público tem como
escolher".
Mesmo considerando
que o número de leitores de poesia sempre foi reduzido, para Espinheira
a situação foi se agravando com "a destruição
dos primeiro e segundo graus e o aviltamento das universidades desde a
ditadura até hoje". Um dos poetas mais respeitados da Bahia, Ruy
aponta para um fato que ocorre aqui: "Um grave problema na Bahia é
que a educação é divorciada da cultura".
Na opinião
dele, isso inviabiliza duplamente a circulação das obras
e a existência de um mercado literário. "Espero que a Bahia
venha a ter uma editora com alcance nacional", diz ele, garantindo que
os autores que editam por aqui "correm o risco de ficar encalhados, sem
repercussão, devido à ausência de editoras comerciais".
Para o poeta,
que considera o panorama da poesia baiana muito bom do ponto de vista da
produção - e que diz sentir aproximações com
poetas de várias épocas -, não tem procedência
o critério que tacha poetas por gerações. Considerado
como da geração 60, ele teve o primeiro livro publicado em
74, e diz que a denominação é apenas um recurso que
"facilita o enquadramento para teóricos e críticos".
A chamada
geração 60 na Bahia é uma categoria desenvolvida por
Pedro Lyra no livro Sincretismo - A poesia da geração 60
(Topbooks), e que mereceu uma antologia recente na Bahia, intitulada A
paixão premeditada (Fundação Cultural do Estado da
Bahia/Imago, 2000), de Simone Tavares.
Ela inclui
17 nomes que julga significativos, salientando que Helena Parente Cunha,
Ildásio Tavares, Antonio Brasileiro, Ruy Espinheira Filho, Fernando
Batinga de Mendonça e Myriam Fraga têm sido editados em "nível
nacional". De certa forma, essa publicação atualiza outra
antologia, editada em 1968, Moderna poesia bahiana (Tempo Brasileiro),
organizada por Leogedário Azevedo Filho.
Também
considerando o conceito de geração como algo apenas didático
("escrevo para o aqui e agora"), o poeta e editor Claudius Portugal é
responsável pelo selo Casa de Letras, da Fundação
Casa de Jorge Amado. Além do projeto Com a Palavra o Escritor, a
fundação inaugurou em setembro um projeto voltado para poetas,
chamado Avozedita, que acontece na última quinta-feira do mês,
às 19h.
Quantitativa
e qualitativamente, Portugal julga que a produção baiana
atravessa um bom momento, compreendendo desde os anos 50 até os
novíssimos. Com uma série dedicada a escritores inéditos,
o selo da fundação já editou dez títulos contemplados
nas três versões do Prêmio Copene de Literatura, que
a partir do próximo ano deve ter freqüência bienal.
Para Portugal,
o nó da questão editorial não diz respeito à
fragilidade das editoras localizadas na Bahia ("comercial é toda
editora que coloca livros para vender"), citando a bem-sucedida e baiana
Editora Corrupio como exemplo. "O entrave é que não temos
distribuidoras nacionais de livros. Precisamos encontrar uma solução
para isso". Além dessa situação, ele também
reflete sobre a necessidade de uma política de bibliotecas. "Temos
cerca de 420 municípios, mas quantos têm bibliotecas? Eles
sabem contratar trios elétricos, mas para fazer um acervo literário
ficam querendo doações", reflete. Ao lado dessa política
de bibliotecas, o mercado também necessita, em sua opinião,
de uma política educacional do primeiro nível ao nível
universitário.
Poetas da
Praça - Com uma vivência poética iniciada num período
truculento da história do Brasil, em plena ditadura militar, Geraldo
Maia é um dos fundadores do movimento Poetas da Praça (originado
em 79 e em atividade até 95) e busca alternativas desde aquela época.
Em 98, idealizou o projeto Poesia Nossa de Cada Dia, com apoio do Ipac,
e que teve duração apenas de três meses, chegando a
reunir cerca de 300 pessoas num dos eventos no Pelourinho. "Infelizmente,
o projeto foi interrompido, sob a alegação de falta de verba".
Lembrando
que Salvador sempre teve uma tradição de ter poesia na rua,
desde a época de Castro Alves, Maia afirma que os poetas foram escorraçados
das ruas na época da ditadura. A chamada geração 60,
na sua opinião, encontrou um momento de efervescência cultural,
patrocinada pelo reitor Edgard Santos, que havia fundado as escolas de
Teatro, Dança, Música e Belas Artes, beneficiando os talentos
daquela época. Os que chegaram depois, de acordo com ele, encontraram
a cena parada porque ninguém fazia nada com medo da ditadura.
Atualmente,
Geraldo Maia coordena o projeto Poesia ao Pôr-do-Sol (todas as quartas-feiras,
a partir das 18h, no Restaurante Vida e Saúde, no Comércio)
- que promove recitais e performances poéticas - e também
tem projetos para a criação de um centro cultural na cidade
baixa e de uma feira de artes, que já vem funcionando na Praça
Marechal Deodoro desde novembro. Ele acha que há muita gente boa
aparecendo, mas garante que é preciso que não existam apenas
produções eventuais, sem continuidade. "Nunca tive livro
apreciado por cientistas da literatura porque não sou considerado
escritor, dizem que não tenho qualidade e sou menor porque sou da
praça".
A despeito
da relatividade que ronda os termos "menor" ou "maior", o poeta terá
seu livro Sangue e poesia editado pelo selo Letras da Bahia, da Fundação
Cultural. Em parceria com a Secretaria da Cultura e Turismo e a Egba, o
selo publicou em cinco anos de existência 58 títulos, muitos
deles de escritores inéditos, com tiragem de 1.300 exemplares. É
um projeto elogiado por todas as "gerações".
O ainda inédito
poeta Henrique Wagner, 23 anos, também teve seu primeiro livro aprovado
pelo Letras da Bahia, devendo ser lançado com o título As
horas do mundo no primeiro semestre de 2001. Da novíssima geração,
o poeta acredita que apesar da crise "em escala mundial", na Bahia há
renovação constante de poetas. Henrique Wagner também
aposta que houve uma profusão de poetas após a leitura dos
integrantes da geração de 60 - que, para ele, reformulou
alguns preceitos da geração dos anos 40 - e confessa ser
influenciado por Ruy Espinheira Filho, além de seguir princípios
teóricos de Ezra Pound em seus poemas.
O jovem poeta
também está incluído no projeto A Imagem do Verso,
realizado semanalmente desde setembro na Livraria Sabor dos Saberes, e
que a cada segunda-feira apresenta um poeta para o público. Idealizado
pelo também poeta e produtor cultural Eliseu Moreira, contando com
o apoio do proprietário da livraria e boa vontade dos participantes,
o projeto tem representantes de vários estilos e gerações.
Com uma programação até 18 de dezembro, a expectativa
é que o projeto tenha continuidade no próximo ano. "Atualmente,
há um movimento na cidade, mas não há base. De certa
forma, há um coronelismo cultural na Bahia, inclusive em "poetas",
que traduzem uma cultura fechada que só se abre quando a tampa do
caldeirão explode pela pressão", diz Eliseu Moreira.
Na mesma
livraria, mensalmente, também acontece o projeto Latina Poesia,
com recitais e discussões temáticas, coordenadas pelo argentino
Carlos Pronzato e o mexicano Alejandro Reyes.
Educação
e cultura - Outro participante do movimento Poetas da Praça, Douglas
de Almeida, insiste na via que une educação e cultura. Ele
considera que a Bahia tem bons poetas e centra sua análise do panorama
atual na problemática do leitor e nas condições extra-literárias.
"O ensino fundamental não estimula e não temos uma política
de incentivo à leitura", diz ele, reforçando pontos de vista
como os de Ruy Espinheira e Claudius Portugal.
Douglas lançou
seu único livro em 83, Confissões de um pecador ateu, de
forma independente e que teve três edições. Desde 94,
ele desenvolve o projeto independente da biblioteca Prometeu, com títulos
literários disponibilizados em bairros da periferia.
Entre outras
ações para incentivar e aproximar o público da poesia,
a cidade também conta com o projeto didático Sarau do XVIII,
realizado nas primeiras segundas-feiras de cada mês, que trata de
um tema ou autor da literatura e da música universais a cada encontro.
A dramaturga
e poeta Aninha Franco, uma das administradoras do Theatro XVIII, diz que
vê como perspectiva mais sólida para o próximo século
o triunfo das bibliotecas virtuais, contestando a crença de que
o povo não gosta de poesia. "Se você baixar o preço
dos livros vou dizer se o povo gosta ou não de poesia", argumenta.
Mas faz uma ressalva: "As poesias têm que ser muito boas para pegar
o leitor pelo pé. Caso contrário, é um desperdício
publicá-las, pois acabam ficando quilos de florestas encostados
num canto". Para o século XXI, ainda valem lances de dados.
Renovação
de idéias
O atual momento
também conta com uma revista literária e de crítica,
chamada Iararana, criada em 98 e editada pelo contista e jornalista Carlos
Ribeiro e pelo professor universitário e poeta Aleilton Fonseca.
Concebida como canal de expressão de autores da geração
80, a Iararana chega ao quarto número como a única revista
baiana do fim do século XX editada por autores.
Nos anos
60 , as revistas Mapa, Afirmação, Porto de Todos os Santos,
Serial, Hera e Cordel agitaram a cena em Salvador e Feira de Santana. "Nos
anos 80, não houve muito incentivo à publicação
e muitos fizeram seus livros de forma independente", situa Ribeiro, sobre
o fato de que ao longo do século os movimentos literários
foram apoiados por revistas, servindo como ponto de união e renovação
de idéias. "A característica fundamental da nossa revista
é que ela é aberta a outras gerações, correntes
literárias e participação de autores de outros estados
e países", diz.
Para Aleilton,
as perspectivas para a poesia baiana no novo século são cada
vez melhores, sobretudo pelo espaço dado aos inéditos pelo
selo Letras da Bahia. Contando com o apoio da Copene, a revista (que também
está promovendo o II Concurso Iararana de Poesia) deverá
ter periodicidade quadrimestral no próximo ano. "Estamos abertos
ao diálogo, evitando qualquer tipo de bairrismo", diz o poeta e
professor, para quem o conceito de geração "é relativo,
polêmico e aproximativo". Para ele, as editoras devem aos poetas
uma política editorial adequada. "Eles criaram o mito de que poesia
não vende, mas a realidade desmente isso e os poetas acabam esgotando
suas edições".
Por sua vez,
o poeta, professor universitário do Instituto de Letras da Ufba
e crítico literário Cid Seixas Filho acha o aspecto que diz
respeito ao leitor o mais delicado. "Não temos uma tradição
de leitura. Vejo o movimento com algum pessimismo porque acredito que isso
passa pelo nível da alfabetização. Somos alfabetizados
apenas do ponto de vista estatístico", posiciona-se. A redução
de números de periódicos em Salvador, em relação
a épocas em que já circularam cinco jornais, é, para
ele, um sintoma dessa dificuldade.
Tendo publicado
seu primeiro livro no final da década de 60, Temporário,
e o mais recente, Espelho infiel (Diadorim) em 96, Seixas Filho promoveu
em 68 o 1º Concurso de Poetas Inéditos na Bahia e organizou,
com Carlos Cunha, em 73, a 2ª Feira de Poesia. Em seu livro Triste
Bahia - Oh! Quão dessemelhante - Notas sobre a literatura na Bahia
(Egba 96), ele afirma num dos textos que a cidade é "rica em tradições
e, às vezes, tão pobre de reinvenções". Mas
acredita que a cena tem revelado nomes importantes, a exemplo de Luiz Antonio
Cazajeira Ramos.
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