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Maria João Cantinho

<mjcantinho@hotmail.com>

 

Maria João Cantinho nasceu em 1963, em Lisboa. Viveu em Angola até à adolescência e regressou a Portugal, após a independência de Angola. Licenciou-se e realizou a dissertação de mestrado em filosofia, na área de estética. É professora no ensino secundário. Colaborou na revista Livros, na revistas on-line Crítica - Central de Cultura e é membro do conselho editorial da Storm Magazine no jornal de poesia Hablar/Falar de Poesia, pela parte da Casa Fernando Pessoa. Integra o conselho editorial da revista Agulha, onde colabora regularmente. No ano de 2001 publicou o livro de contos A Garça. Em 2002, publicou o livro de poesia Abrirás a Noite com um Sulco, ao qual foi atribuída uma menção honrosa no prémio da Associação Fernando Pessoa. Tem publicações diversas, no âmbito de prémios literários e menções honrosas, nas modalidades de conto e poesia.

Maria João Cantinho

 

Dai-me o exacto exercício das palavras
flores de carne, sangradas
até à minúcia. Rigorosas.

Mas como dizer a dança
da luz, sobre os teus passos,
o riso, a errância dos gestos
sem que as metáforas destruam a exactidão
e a música se enrole nas sílabas,
como dois amantes
esquecendo a dualidade,
entrando na vertigem da unidade?

 

Uma mulher que se deita entre solidão e flores
que se cobre de pássaros e luz
e dorme entre imagens e cegos espelhos.

No coração da magnólia

 

 

De repente a magnólia
pulsa, não digas a solidão.

Guarda tudo, pois a música escoa,
um rumor de chuva
mansa, cintila
no rastro da lua

e pulsa o coração,
chegam os seres da noite
de pálpebras carregadas
sonhos em filigrana,
o grito contido.

O orvalho acontece
por dentro, olhos recolhidos
na saudade, o frio,

de repente a magnólia
pulsa, e a escuridão
é um adágio, não digas a solidão.

Alguém que me lê
o centro do coração ilumina-se,
o poema flui e ouves
o canto, não as palavras
decepadas,
arrancadas à opacidade.

Ouves. No coração da magnólia.

 

 

Uma palavra única e limpa
inequívoca e clara

Extraído ouro do real,
louvando, pintando
a mão que tece
o sinal, o traço.

Divina limalha
ou imagem mais pura
que a luz do mar
quando é manhã.

 

 

um deus que caminha
invisível, por dentro dos jacarandás
desenhando a orla da noite
o arrepio do mar.

os barcos esperam-no
quietos, guardando a luz,
os olhos do deus, o seu deslizar
entre as águas tranquilas.

 

a Daniel Faria

caminhar sobre as palavras
com os pulsos amarrados à vida,
ainda o medo, o tempo alucinado.

vem, repara na ternura
aqui sangra o silêncio da pedra
por entre os alvéolos da luz
respirando nos pulmões
de antigos afogados.

Esta é a luz que nasce de ti. Do poema.
Azul, essa luz que se ergue dos mortos
e irradia em terra de ninguém.

 

 

a Sylvia Plath

Devora-te a escuridão.
Percorrendo cada esquina, cada rua
e os cães conhecem-te o olhar
onde o líquido fel e o sabor a sangue
te inunda os lábios pelo despertar
de todas as manhãs.

Danças pela noite fora
como se o tempo te pertencesse
e lírios azuis florescem dos teus gestos,
tão absurdos e inúteis
como a tua valsa nos braços da noite.

Guardo a tua imagem nua e
etéreo corpo bebendo a luz,
tão perto da água e as estrelas reflectem
o teu improvável destino. Já não vês a vida.

O teu olhar sobrevoa a areia
do calcinado deserto. Não há esquecimento.
E são os dedos dóceis, embora firmes,
da tua solidão a escrever as cicatrizes
na tua pele os mapas da desolação,
onde retiras o alimento do teu destino.

Sem olhar para trás. E danças pela escuridão adentro
com vidros atravessando as pálpebras
do teu sono.

 

a F.M.

Fere esse dardo, um pedaço de mim que entra em guerra consigo próprio. Chama que se atravessa na carne e luta contra o repouso que se busca. Duas asas que cobrem a terra e o corpo sangra. Duas asas lutando por erguer-se e libertar-se da terra. Lutando por elevar o rosto do anjo ao olhar de deus. Aí a luz, penetrando a densa camada que transforma o mundo em escuridão. A pele esticada sob o céu, os órgãos à transparência. O desejo. Como um tambor, a pele esticada, os nervos à superfície. Pequenos veios esverdeados, cruzando-se infinitamente. Um dédalo à visibilidade da pele, que estremece. O céu em cima, o inferno a suportá-lo. O corpo algures, a desejar o nome, em fúria adocicada de querer fundir-se num outro, de que procura o nome. Suspende-se nas asas do tempo, fulge na memória, procura o intervalo entre dois instantes. Nem passado nem futuro. O instante do Agora. O Aqui onde é. A pele estremece entre os lilases da noite, perde-se na saliva salgada do mar. O corpo enlouquece à procura do nome que o faz vibrar. Esse dardo traz consigo o sabor de um nome.

 

 

Anjos amortalhados nas vértebras da noite
abrigados no enigmático sorriso
com que me afrontam. Esse um exercício
de exactidão numérica, rasando
o fogo na navalha da escuridão.

Anjos amortalhados no véu das asas
de olhos vazios, aves escuras desorbitadas,
pendurados como casacos amarrotados
nas luminosas entranhas de um animal.

Anjos amortalhados no redobrar do vazio
onde o tempo se enrola sobre si próprio
e se fecha numa pedra ou estrela coagulada.

Ouve. Toca a finados, o tempo todo
é por ti ainda, este requiem
sem que o reconheças, no inumerável
reflexo dos espelhos. Anjos espreitam-te.

E é onde não estou que se ergue, intangível
o canto puro, a voz que te enlaça
e te arrasta nas coxas da luxúria.

 

 

 

Só a DIDÁTICA em prol do Homem legitima o conhecimento

A outra face do editor Soares Feitosa, o tributarista