Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Manoel Lobato


 

O filho do homem

 

O pai do moço morre na cadeia, enforcado. Líder dos sem–teto, sabia de cor tiradas ditirâmbicas. Ao menino falou: “Se a polícia te perseguir por causa de mim, meu filho, lembra-te de que estou sempre a teu lado.”

O rapaz declara ao repórter que seu pai não tinha idéias de suicídio. É recolhido à Delegacia Especializada de Orientação a Menores, a DEOM de Belo Horizonte. Solto, ele fica no morro da favela. Sua mãe não o deixa sair de casa. “Papai foi escolhido para cristo”, ele repete.

Por amor, a mãe faz maldade. Inventam o diabo para fazer medo à mulher e a seu filho de 16 anos. O diabo existe para provar a bondade de Deus. O criador permite o mal porque é bom. Deus é amor.

O jovem convida a mãe para um passeio à cidade: “Vamos ver a praça Sete, mãe?” Ela responde: “Hoje não posso. Tenho de passar a roupa.” O filho argumenta: “Esta noite é Natal. As ruas devem estar cheias de fieira de lâmpadas miúdas. Tudo enfeitado: luz, cor, som e brilho. Posso ir sozinho?” A mãe diz: “Os herodes te pegam de novo.” O rapaz apela: “Meu pai protege a gente.”

A mulher fica sozinha no barraco. Vê seu menino descendo com o jeito do pai. Uma só pessoa: pai, filho e o espírito natalino. Dulcíssima trindade. O garoto olha para o céu, como se estivesse agradecendo ao pai a liberdade que a mãe lhe dá.

A noite de Natal é a menor do ano, no Brasil, segundo crê a mulher. A noite deste ano está sendo a mais longa na vida da mãe e do menino. Ele não volta.
 

 

 

 

 

08.07.2005