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Murilo
Melo Filho
O
GLOBO, 7.9.2002
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Tensão,
disputas e vaidades por trás do mito e glamour da Semana de
22
A idéia modernista , de Wilson Martins.
Editora Topbooks, 349 páginas. R$ 40
| Murilo Melo Filho
Já se
escreveu que o julgamento pessoal é a base da crítica, que não é
propriamente um gênero literário, à semelhança do romance, da
poesia, do ensaio, do teatro, do jornalismo, do conto e da crônica;
mas que é, ao mesmo tempo, uma realização científica e estética, ao
emitir conceitos e juízos de valor sobre uma determinada obra
literária, teatral, arquitetônica, musical, cinematográfica ou
escultural. .
Diderot, Voltaire, Saint-Beuve, Carlyle,
Anatole, Lemaitre e Croce, entre outros, foram na Europa os grandes
representantes do impressionismo crítico. E pertencem à história da
inteligência brasileira, como seus discípulos, os tempos gloriosos
da crítica literária de Medeiros e Albuquerque, José Veríssimo, João
Ribeiro, Sílvio Romero, Araripe Júnior, Nestor Vítor, Humberto de
Campos, Ronald de Carvalho, Múcio Leão, Sérgio Milliet, Álvaro Lins,
Augusto Meyer, Alceu de Amoroso Lima, Agripino Grieco, Elói Pontes,
Eugênio Gomes, Eduardo Portella, Antônio Olinto, Heráclio Salles e
Afrânio Coutinho, ao retornar dos Estados Unidos, com o seu “New
Criticism”.
Uma das fases mais ricas da literatura
brasileira
Hoje, o último bastião de toda essa imensa e
admirável geração de intelectuais brasileiros chama-se Wilson
Martins.
Este seu revisitado livro “A idéia modernista”,
inteiramente esgotado e que agora ressurge, revisto e ampliado, numa
2ª edição da “Topbooks”, em parceria com a ABL, analisa uma das
fases mais ricas e discutidas da nossa literatura, com detalhes e
informações inéditas sobre as futricas, as rixas, os entrechoques,
os ciúmes, as lutas pela liderança, as vaidades, as disputas e as
rivalidades nos bastidores da instigante Semana de Arte Moderna de
1922, cujo octogésimo aniversário estamos comemorando este ano
Está bem presente, também, a ação dos diversos grupos
regionais em que se dividiu o movimento: o grupo gaúcho, o núcleo
paulista, a ala carioca e o cisma nordestino.
Na primeira
parte, Wilson reconstitui o caso Malfati e seu enfrentamento com
Monteiro Lobato; a ofensiva de Mário de Andrade contra Marinetti e
Mallarmé; a reunião de Menotti, Cassiano, Plínio e Motta Filho, no
“Verde e Amarelo”; a “igrejinha” de Guilherme de Almeida, Rubens de
Moraes e Camargo Aranha no “Klaxon”; o encontro de Tarsila, Oswald,
Alcântara e Bopp na “Antropofagia”, e a reunião de Tasso da
Silveira, Jackson de Figueiredo e Alceu de Amoroso Lima na “Festa”.
Aborda na segunda parte a atuação de Mário de Andrade e sua
“Paulicéia desvairada”, seus “Macunaíma”, “Clã do jabuti” e “Losango
cáqui”; de Cassiano Ricardo e seu “Martim-Cererê”; de Raul Bopp e
seu “Cobra Norato”; de Menotti del Picchia e seu “Juca Mulato”, de
Oswald de Andrade, e seus “Memórias sentimentais de João Miramar”,
“Pau-Brasil” e “Serafim Ponte Grande”.
Conclui o livro com
uma terceira parte, na qual, sem serem propriamente modernistas, são
apresentados, entre outros, José Américo, Schmidt, Drummond, José
Lins, Graciliano, Jorge de Lima, Jorge Amado, Érico Veríssimo, além
de Bandeira, Alceu, Menotti, Ronald, Ribeiro Couto e Guilherme de
Almeida, estes últimos seis a carregarem em triunfo o líder Graça
Aranha, que naquela memorável sessão da ABL, dia 19 de junho de
1924, consumou o seu rompimento com ela e proferiu o seu grito de
guerra: “A Academia morreu para mim. Se ela não se renova, que morra
a Academia”.
Heresiarcas seriam futuros acadêmicos
Por uma dessas curiosas coincidências do destino, todos
esses seis heresiarcas e peleadores do Modernismo, que haviam
convocado a juventude para destruir a ABL, viriam, anos depois,
sentar-se naquelas mesmas poltronas, que tanto haviam amaldiçoado. E
a Academia, como mãezona indulgente, acolheu em seu aprisco as
ovelhas desgarradas.
Esse Modernismo, insubordinado e
rebelde — que além de uma simples escola, assinalou no Brasil uma
época e um processo cultural — desfila aos olhos do leitor neste
livro de Wilson Martins, que começa com a anemia literária
resultante da notória exaustão do Parnasianismo e do Simbolismo,
ocorrida em 1916. Lobato, com seu “Urupês”, assumiu aí uma posição
de vanguarda, que, depois, em 1940, levaria Oswald de Andrade a
reconhecê-lo como o “Protomártir e o Gandhi do Modernismo, por seu
sacrifício e seu jejum”.
Desapaixonado, imparcial e
objetivo, o “oitentão” decano Wilson Martins, recolhido ao seu
“bunker” de Curitiba onde tudo lê e tudo sabe e de onde emite
semanalmente, há vários anos, uma crítica autorizada e independente
—- lança agora esta nova edição do seu “A idéia modernista”,
projetando um facho de luz sobre conturbado período da cultura
brasileira, hoje mais do que nunca necessitada de obras como esta,
reconstrutora de sua face fiel, justa, transparente e verdadeira.
MURILO MELO FILHO é acadêmico e jornalista
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