Manoel Messias Santiago



Eu Te Amo e Era Uma Vez um Beijing

Vivo contigo e tento te aprender, me acostumar aos teus atrasos. Outro dia chegaste madrugada. Chovia gostoso, ouvia-se La Seguidiila, de Carmen, e tu brilhavas nos acordes e bailavas nos meus sentidos. Se um dia eu não mais puder te ver será como a "Primavera da China" como a noite sem gosto, sem ar, sem agasalho. Como os tanques sinistros de Tiananmen Square rangendo seus dentes de aço. Aço retirado das minas por homens que acreditaram na vida, no trabalho; aço que deveria arar a terra em forma de lagartas e enxadas para a colheita do trigo mas insiste em atropelar cérebros humanos mundo a fora e numa praça em Beijing. Se um dia eu não mais puder te ver será noite de morcegos de metal caçando meus olhos espavoridos com seus incandescentes bicos-lasers; bubônica noite de roedores obstinados buscando com destrutiva lascívia a humana carne. Ah, os ratos... A Coca-Cola da China tem cor e sabor de sangue jovem. E o sangue humano tem todos os sabores. A batalha é contra o prazer. O medo banca a guerra. Mas quando tu voltares os canhões terão bocas imantadas e dar-se-á o necessário incesto: os petardos voltarão aos infaustos ventres e explodirão as próprias ogivas. Haverá água e comida farta para todos flores e perfumes e música bela e sonoras gargalhadas pelos campos. As pessoas se tocarão pela carícia e desfrutarão da liberdade como um dom natural.


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