Capa de
Calasans Neto
2000
Luiz Alberto Moniz
Bandeira
St. Leon, inverno
de 2001/2000
Entre o
castelo e a neve na montanha,
vi
tua imagem de manhã madura,
o azul
vertendo sobre tua alvura,
à luz do
sol que os campos brancos banha.
A cicatriz
dos tempos lá perdura
e tua
imagem a paisagem entranha,
contrastando
a beleza morta e estranha
que o
castelo arruinado configura.
Sobre ti resvalei
e assim, depois,
o intenso
amor, que mesmo ao frio se ergue,
desvaneceu
o espaço entre nós dois.
Que meu
corpo, que sobre o teu se vergue,
viva em
teu ventre para sempre, pois
perdi meu
coração em Heidelberg.
Perdi meu coração em Heidelberg,
onde
enterrei o meu passado morto,
ao arribar
em ti, destino e porto,
e em teu
corpo queimando achar albergue.
Desde
então, sem que nada mais enxergue,
em teu
desenho e cores todo absorto,
tenho em
tua beleza esse conforto
que dentre
os anos sempre me reergue
E agora
que entardeço vou compor
estes
sonetos modelados pelos
contornos
do teu corpo aberto em flor,
quando em teus olhos - só os meus a vê-los -
o céu
fundiu-se, a esparramar a cor,
e o sol se
dissolveu nos teus cabelos.
III
E o sol se
dissolveu nos teus cabelos,
na aurora
de teus lábios despontando
em sorriso
de amor, sorriso brando,
que me
encantou e me inspirou desvelos.
Tantos
anos (e não pude detê-los)
já se
passaram, estações mudando,
e continuo
a amar-te como quando
tu cedeste primeiro aos meus apelos.
Quanto
desejo, quando estive ausente,
quanto
senti de ti necessidade,
o calor do
teu corpo tão candente.
E nesse
encantamento, a eternidade
era a dor
do desejo permanente,
o amor
tomando a forma de saudade
IV
O amor
tomando a forma de saudade
era tua
miragem que surgia
à noite,
mesmo em plena luz do dia,
quer fosse
escuro, quer na claridade.
Agarrar-te
tentei, senti vontade,
porém, tua
miragem, quando eu via,
toda vez
se afastava, fugidia,
deixando-me
a sofrer na soledade.
Tanta
distância tive de transpor
para tocar
teu peito com meu peito
e
contemplar então o resplendor
do teu
corpo tão níveo, de tal jeito,
que tu te
confundias com a cor
das
espumas flutuando sobre o leito.
Das espumas
flutuando sobre o leito
teu vulto
de cristal e madrugada
emergiu, a
assumir feitio de fada,
que nos
meus braços com ardor estreito.
A ti me
curvo, a ti estou sujeito,
minha
paixão é sempre renovada,
e, quanto
mais te vejo, assim amada,
mais te
desejo, sempre insatisfeito.
Esse
desejo, que perdura, há-de
perdurar sempre; e sempre, à procura
do tempo
que se esvai na eternidade,
tento
retê-lo na memória escura;
porém, se
amor é feito de saudade,
a saudade
é amor que só tortura.
A saudade é
amor que só tortura,
é todo o
tempo que se faz passado,
mas se
repete, quando recordado,
com um
misto de travo e de ternura.
O teu amor
foi a maior ventura,
que
definiu e realizou meu fado.
E estando
em teu amor tanto empregado,
o fluir do
meu tempo me amargura.
Cada
instante de amor saudade gera,
pois amar
é morrer a cada instante
que passa
e que, passando, desespera.
Esse
devir, devir tão angustiante,
sempre
ressinto na contínua espera
de um
instante de amor, no amor constante.
VII
De um instante
de amor, no amor constante,
não só
recordação agora resta;
quem nos
sucederá teu ventre gesta,
perpetuando
do amor aquele instante.
Feita de
tanto amor, amor triunfante,
essa
criatura, que esse amor atesta
e
glorifica, continuando a gesta,
a permanência
em vida nos garante.
É belo o
amor que a vida reproduz;
amalgamados fomos num só ser
que brotou
da semente que te pus.
As
gerações nos hão-de suceder,
mas
enquanto houver na terra luz,
mesmo
morrendo, assim vamos viver.
VIII
Mesmo
morrendo, assim vamos viver,
e viver
para sempre a antinomia,
como um
ser uno, que no amor se cria,
e no tempo
jamais se vai romper.
Esse ser,
eco do meu próprio ser,
é teu ser
que também se evidencia,
superando
a matéria que cindia
nossos
seres até te conhecer.
Eu estava
a te amar predestinado,
com esse
amor intenso e sempiterno
que foi
com toda a força revelado,
quando te
dei aquele beijo terno,
quando te
amei e tu me hás amado,
enquanto a
neve embranquecia o inverno.
IX
Enquanto a
neve embranquecia o inverno,
foste tu
que trouxeste a primavera,
e não foi
nenhum sonho nem quimera
sentir no
amor tanto calor interno.
Tanto
calor senti e aqui externo
o
sentimento que ele ainda gera,
pois te
amo tanto, tanto, que quisera
como
indivíduo ser também eterno.
Há muitos
anos temos convivência,
há tantos
anos juntos, mas um dia
sentirás
no teu corpo minha ausência.
E diante
do futuro que angustia,
ao
esvair-se o tempo e a existência,
toma o
passado forma de utopia.
X
Toma o
passado forma de utopia,
quando o
futuro já se faz perverso
e não
permite nada ver diverso
da morte
que na vida se anuncia.
A busca do
passado é que alivia
e tento
resgatar em cada verso
reminiscências
em que estou imerso
e que me
causam tanta nostalgia.
Presente
não existe. É tão fugaz
esse devir
constante e permanente
que logo
no passado se desfaz.
O tempo
escorre, flui, continuamente,
torna o
presente no passado, mas
o passado
revive no presente.
XI
O passado
revive no presente,
por
debaixo da neve cresce a flora,
a noite avança,
aproximando a aurora,
nada no
tempo surge de repente.
Sou de
outras eras um remanescente,
um
cavaleiro andante, como outrora,
e que por
ti se bate, mesmo agora,
quando da
idade o corpo se ressente.
Em muitos
séculos meu ser divaga,
o amor por
ti as gerações travessa
e na
memória nunca mais se apaga.
E assim
mais uma vez te encontro, e nessa
existência
retomo a mesma saga,
a saga em
que meu ser ao teu regressa.
XII
A saga em
que meu ser ao teu regressa
nestes
versos antigos eu decanto,
onde o Neckar
aflui ao Reno, enquanto
teu corpo
toda a natureza expressa.
O Reno
corre sem que nada o impeça,
entre rochedos serpenteia, e o canto
de Loreley
ressoa, com encanto
tal que
fascina e atrai, e nunca cessa.
Segue o
rio, no vale, entre teus seios,
onde
guardas do Reno todo o ouro,
disposta a
defendê-lo sem receios.
És tu
mesma, porém, esse tesouro,
com teus
olhos de céu e mar tão cheios,
o corpo de
luar, cabelo louro.
XIII
O corpo de
luar, cabelo louro,
amor,
beleza, em suas formas puras,
és tu,
sim, que com Frejia te afiguras,
um vulto
de mulher imorredouro.
Quando eu
tombar –ainda não o agouro –
só peço
que, no meio das agruras,
tu me
beijes, enquanto me seguras,
e cubras
minha fronte com um louro.
Malhei o
ferro, forjei minha espada,
no sangue
do dragão eu me banhei,
minha
sorte, porém, está selada.
Tombarei
combatendo e - isto eu sei -
quando a
noite chegar sem madrugada
outra vez
no Wallhala ver-te-ei.
XIV
Outra vez no Wallhala ver-te-ei.
Frejia personificas, esse mito,
a deidade na qual tanto acredito,
desde a primeira vez que te encontrei.
Descobri desde então - e dir-te-ei
o que já muitas vezes te foi dito
e se quiseres até mesmo grito –
que antes de te ver eu nunca amei.
Esse amor é que ainda me soergue,
faz-me sentir uma paixão tamanha,
impedindo que o corpo meu se envergue,
e sempre recordar que na Alemanha
perdi meu coração em Heidelberg,
entre o castelo e a neve na montanha.