Gerardo Mello Mourão 
Cantor de cântaros
 
 
Cantor de cântaros 
escande 
no cântaro a cantárida do canto  
cantaria de cântico  
cantor cantar cantata cantaria  
canteiro de cantares 
ora oleiro 
oleiro de canções 
à ternura do barro torneava falus 
e ao moinho do ventre as raparigas  
trituravam cantando o doce oleiro  
e o pó, Polymnia, pólen  
do oleiro cantador 
entre 
as violas das fêmeas 
entre 
a cintura da terra  
pênis de barro 
Orfeu de barro 
no teu ventre pó, Polymnia, pólen  
súbito flor 
no cântaro se esconde  
e escande 
pela pele da Musa pela pedra  
canta: 
canteiro de cantares 
cantaria de espuma labirinto 
     de âmbar 
por terra matinal por mar salgado  
por inefável seio  
de Lisboa por Goa e Madragoa  
e Pero Lopes de Souza 
e de seus bagos venho 
e ali 
e aqui 
começa o labirinto de Gerardo. 
                                         
 

De Lisboa 
por Goa e Madragoa peripécia  
de Vasco, Pedro e Manuel 
Diogo Cão e Antônio Cão 
mais a matilha toda dos mastins do mar  
farejavam as águas de onde  
morde à tona dos sargaços 
lamber 
a tua verde mão 
terra de aurora 
pois te cerca e me cerca  
a aurora com suas coisas:  
e são coisas da aurora  
a estrela morredoura  
a nascedoura rosa  
e sob o azul azul  
do céu o boi mijando  
fervoroso no curral  
o relincho do cavalo erecto  
sobre as ancas da égua  
estas são — parece — coisas da aurora  
e a aurora é coisa minha. 
      
      
E era uma vez em Sagres um Infante  
e Cristóvão Colombo e Vasco e Pedro  
e de uns sabeis e de outros  
sabem o mar salgado e os sabedores de água  
e ventos velas gáveas caravelas  
e quartos d'alva e solidões e estrelas: 
Martini e Pero 
Lopes de Souza e de seus bagos  
venho de Lisboa por Goa e Madragoa. 
 
 

E era uma vez 
o teu cantor: 
quem sabe deste infante?  
a coronha do rifle  
o percorrido mapa 
e um promontório de ouro 
— ó musgos de Isabela — 
e esses musgos de fêmea  
são coisa minha  
só tenho as minhas coisas,  
e as minhas coisas são  
o cavalo a égua o touro  
o bode o rifle esta dama de copas  
este gibão de couro  
e a rosa que te colho:  

 essas coisas trabalho  
e também a viola e o mapa-mundi. 
 
 

Dos outros sabe o mar  
mas deste infante sabem  
tua cintura fina a farejada flor  
a noite a aurora  
e essas coisas da aurora coisas minhas  
peripécia e 
labirinto de Gerardo.

 

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