Tu me pediste noticias
da Grécia:
de Lisboa
por Goa e Madragoa e
Itamaracá
me fui partindo e, pois,
já tenho
algumas noticias da Grécia
e escrevo
entre a mulher da bela
cintura
dos olhos verdes
e o mar:
por mar chegadas, por
mar envio
as notícias da
Grécia;
redijo em alto mar entre
a madrugada jônia
e a madrugada
de Maragogi — sudeste
do país dos Mourões.
E eras uma vez:
da cintura de Apolo o
tornozelo dáctilo
vinhas e ao vinho o pé
arisco —
de corda em corda a pisar
na cítara
e em teu andar
notícias recentes
da Grécia:
muitos corpos foram assados
e o cheiro
da cútis das vítimas
de fina raça
subiu das brasas e a
fumaça
odorífera e a
labareda e as libações
embriagavam os belos mancebos
vindimados;
e era uma vez
Febo Apolo, o deus do
arco de prata e lira de ouro
e ao teu andar, ao pé
arteiro, a melodia
corda a corda
das notícias da
Grécia:
aguardo informes: — aplacara
a hecatombe o deus irado
ou, vagabundo
passeia Apolo pelos bosques
de aljava a tiracolo?
Escrevo no meio do mar
entre a Grécia e a Itália
talvez Ilíria;
respirei quanto pude
a violeta divina
vem o vento dos montes
e à essência
das rosas maceradas
amadurecem-me as narinas
sábias:
tal a rosa-dos-ventos
dia e noite ao faro
dos navegantes.
E era uma vez Apolo e
era uma vez uma palmeira
e os escravos de Dona
Úrsula Mourão acharam
a imagem de São
Gonçalo
e foi trazida para casa
e louvada
em cânticos e ladainhas
e na manhã seguinte
a divina creatura
era de novo achada ao
pé da mesma palmeira
e foi trazida para casa
e louvada
em cânticos e ladainhas
e no terceiro dia — fugira
durante a noite —
voltou à sua palmeira
e Dona Úrsula
Mourão, mais os homens e as outras mulheres
e as crianças
foram cantando e se assombrando
até a palmeira sagrada
e em duas medidas de
sua sombra
riscaram um retângulo
e ergueram uma capela
e onde
era seu
tronco é hoje o altar
de São
Gonçalo dos Mourões
e estas
são notícias
da Grécia:
respirei fundo a violeta
divina
de Tênedos a Delfos
e guardei
a palmeira nos olhos
e o templo na serra;
e era uma vez
na ilha flutuante uma
palmeira
uma palmeira em Delos
e ali
soprou Apolo a flauta
e desde então se fez
estável a ilha
imóvel Delos por
pisá-la um Deus:
e era macho e belo e
tangia também
uma cítara de
ouro e do arco de prata
a flecha disputava ao
relâmpago
alvo e risco no céu;
e sobre a pele
da serpente na trípode
sagrada
uma virgem fundou o lábio
imaculado
de conceber o oráculo:
o divino pênis
aquecido na boca a sacra
Pítia
da garganta emprenhada
devolvia o sorvo cálido
a palavra profética:
-
‘E AEYOEPÍA
na boca das virgens
e no ventre das ninfas
a semente fecunda
e à sua volta
— e à sua cítara
as fêmeas aprendiam
a língua e a voz dos deuses
e os rapazes aprendiam
o poder dos deuses
e os adolescentes mortos
tornavam à vida
e a vida era fundada
à sua volta e
à sua citara;
e era fundada a morte
à volta
de seu arco de prata
— e os outros deuses
o expulsaram do Olimpo
—
estas são notícias
da Grécia:
de erguer-se o canto,
toda voz se apaga
e as ilhas cessam de
flutuar e os deuses
invejavam os carneiros
e os pastores
tangidos pelos montes
da Tessália
à lira de ouro.
E ao seu acorde
em pétala e aroma
a bem-amada abria
o coração
do heliotrópio e o rosto
do adolescente — amor
alheio à vida e à morte —
nas folhas do jacinto
doloria
e à mera melodia
iam surgindo
o loureiro, a romã,
o girassol e o mirto
e o zimbro e o lotus
e o galo e o gavião
e o cisne
e a cigarra e o grifo
e era a palmeira e à
sombra dela
a invenção
do santo e as ladainhas
de Dona Úrsula
Mourão;
estas são, amor,
as notícias da Grécia
e eu recebi no mar:
ao sul a palmeira de
Delos e ao norte
as palmeiras — Camaragibe
e Ibiapaba, Pais dos Mourões —
lá onde a vida
aguça a seta nas
aljavas de prata
e a morte
se canta à lua-cheia
na viola na cítara
de Apolo adolescente.
Tenho notícias
da Grécia, algumas:
notícias para
a tua cintura pequena e os calcanhares
o chão dos deuses
exilados
e lembranças de
um deus: no exílio,
de seu canto se sustentava
e ao canto
— sustento dos deuses
e perigo dos deuses —
floresciam os homens
e o rei Midas foi punido
e em sua própria
frauta soprou Mársyas
sua própria morte;
e ao canto
— ó sustento dos
deuses, ó perigo dos homens! —
por auroras e noites
perigosas
tenho notícias
da Grécia — algumas —
da corte de Admeto na
Tessália
da cor das águas
ao redor das Cícladas
das virilhas cheirosas
de Kirina, Hotel Adrianos,
do vôo do gavião
no ar da tarde
do poeta caldeu na noite
de Poséidon
dessa relva curvada à
brisa do Parnaso
Danai tragountai Danai
e Lyda e uma canção
e uma taberna e o vinho
e a inocência e
o espanto de Hiacinto
e o zéfiro da
morte em meus cabelos.
Ao terror da delícia
os olhos brilham
pisa a planta dos pés
a palmilha de pedra
rastro incandescente
de um deus:
quem sou eu que te trago
as notícias da
Grécia — algumas —?
o doce filho
da raça dos Mourões
— país de para lá
da linha do Equador onde
o pecado
não é e
os homens
são machos e as
mulheres
fêmeas — onde
à sombra das palmeiras
e em seus troncos
aparecem os deuses e
seus santos.
Vem, formosa mulher, camélia
pálida,
que banharam de luz as
alvoradas
na concha de tuas mãos
a água verde
flauta diáfana
de água à pétala
do lábio estremecia
e desmanchada ao canto
— ao canto
a água sugeria
de novo o gomo verde
a flauta diáfana
de água
ao milagre dos dedos
e do sopro:
bem que me deste, tu
mesma, as notícias da Grécia
e eras jônica e
coríntia, às vezes dórica
em teus quadris eólios
tua concha
à relva eólia
à pétala
do lábio estremecia e era
a melodia de tuas flautas
escondidas:
começara
no golfo de teus olhos
a viagem
ao verde mar por onde
a lua esverdeara a lua
de mel dos cabelos
de Helena à espuma
do desvairado amor:
e estas são notícias
da Grécia e um deus
tangia cítaras
e ovelhas e os homens
jurados à beleza
domavam o cavalo, a nau,
a lança, a espada e a terra
orvalhada de sangue dos
guerreiros — um deus
anunciava
a vida e a morte por
amor do amor
e anunciava a vida e
a morte e os machos
do país dos Mourões.
Pois o Major Galdino,
meu avô,
cortava a taquara da
serra com seu punhal de dois gumes
e ao fim da tarde e ao
nascer da manhã
no alto do pé
de tamarindo
pendurava a gaiola de
alçapão armado e dentro dela
ou galo-de-campina de
cabeça de púrpura
ou juriti arrulhadora:
e da copa das cajaranas
de ouro
o outro galo-de-campina
— a outra juriti —
vinha aprender
a banda de laranja a
talhada de melão o arroz
a água do pequeno
alguidar de barro e o canto
solitário entre
as varetas de bambu — e logo
eram duas gargantas a
cantar e era
aos ouvidos do risonho
Major
um canto novo — e tu,
pássara chamadora,
ao furo de meu punhal
na taquara
a flauta pura ao céu
azul irás sorvendo
soprada em sopro novo
a velha
canção
que cantavam as pássaras de amor no Tamboril
em sopro novo a velha
moda
que cantavam os machos
à janela das fêmeas
no país dos Mourões.
há uma raça
dos homens
e uma raça dos
deuses
e a raça dos que
tocam
pelos bosques dos homens
música dos deuses:
estas são as notícias
da Grécia as notícias
que tenho da Grécia
e levo para a Grécia
e sou o primeiro
a levar para a Grécia
carregando
no céu da boca
o gosto de teu nome
e no ritmo do andar o
peso de teu corpo
de tua cintura pequena. |