Tornei ao bergantim
com muita caça
e mel, de Mel Redondo e mandei
meter os remos
e fui-me às ilhas:
corri-as todas e nunca
achei porto nem abrigo
em que me meter
na mais pequena achei
repairo
do vento sueste era desabrigada
ali estive fazendo pescaria
mandei consertar a padeirada
do bergantim
e pôr a artelheria
em ordem e irmos
concertados por pelejar:
pois na terra eram fumos
— sinal
de ajuntamento de gente
Gonçalo Mourão,
de Novas Russas, fiscalizava os
hinos
e um Mello, de Tauá,
lia colcheias na partitura
que Iracema Mourão
cantava na proa
à onda rugidora
demos à terra
e no alpendre
de seu engenho aloeste
da Chá do Pilar
na Chá do Mundaú
estrugia sobre os canaviais
os cabras e as vacas
mugidouras
o trom de sua voz o velho
Oiticica de Alagoas
do vigor do peito o eco
fálico
seguiu por outros mares
outras ilhas
dei a uma delas, cheia
de arboredo,
por lagos de Granada
em Nicarágua com um Silva,
Fernando Silva poeta
e bebedor de guaro
e outra
Martín García
— diz Varnhagen — em teu país,
Raul,
a que chamei um dia
Santana do Mundaú:
aqui estive toda noite
com Jerônimo e Jarmelino
matei muito pescado
de outra raça
que em Portugal
peixes da altura de um
homem
amarelos e outros pretos
com pintas vermelhas
os mais saborosos do
mundo
assados na areia.
Saí em terra —
nesta ilha achei
muitas aves as mais fermosas
que nunca vi —
aqui
vi falcões como
os de Portugal
o vento saltou ao sul
— saltei
da banda do norte da
ilha
muita tempestade
achava de todo nos perdêramos
tornei por onde viéramos
a água corria
mui tesa para baixo
doze braças de
lama mole e um rio
faz entrada leste-oeste
da banda do sul à
boca dele um esteiro pequeno
então vi que tudo
eram braços e ilhas
entre que andávamos
e às vezes do
quarto da modorra
teus braços olorosos
a punhos iracundos jogava
o mar
e aos monstros do promontório
de onde escorrem
raposos aliomares portelas
e batistas baba fétida.
Vamos remando rio arriba
contra o querer do rio
eram tantas as bocas
dos rios
que nem sabia por onde
ia
senão que ia pela
água arriba:
fez-se noite a par de
duas ilhas
pequenas onde surgi
e sempre rios:
um braço ia ao
norte
um braço aloeste
e não sabia
onde donde por onde para
onde quando
comecei a achar as ilhas
com muitos arvoredos
e frechos e outras
mui fermosas arbres
arvas e flores como as
de Portugal
e outras diferentes —
muitas
avas e garças
e abatardas — e eram
tantas aves
que com paus as matávamos
quão fermosa a
terra delas:
na achada Marajó
perdido à noite
entre rebanhos de estrelas
e búfalos e garças
caí do céu
— e era formosa
a terra atônita
— formoso
o sírio atônito
no Amazonas verde
o negro capitão
atônito — um certo Muniz
no avião perdido:
"crê em Deus, senhor
poeta?"
E o poeta crê sobre
seu chão
coisa creada
coisa increada
a garça o búfalo
o anjo o salmo
e o doce rei viril na
estrela da pupila:
"eu vejo, Capitão".
Depois achei muitos corvos
marinhos
matei deles à
béstia
adiante meia-légua
me anoiteceu
surgia a par de umas
árvores onde estive
noites contigo — eras
ali
formosa como a terra
e a terra
— conta Pero — era
a mais fermosa que os
homens viram
toda cheia de flores
e o feno
da altura de um homem
e eu te pastei em nuca
e cona
o feno e a flor.
Iam uns fumos longe rio
arriba
me anoiteceu donde os
faziam:
de noite
nos deu rebate uma onça
cuidei ser gente
saí em terra com
toda a gente armada
tornei pelos outros braços
arriba
dormir às duas
ilhas dos corvos
onde Neiva e Nelson e
João e um Marcelo granadeiro
e ali grasnavam e fediam
de castelos de merda
raposos baleeiros e um súcubo
em portelas de lama:
guiou-me a estrela e
fui
dormir da banda daloeste
debaixo de uns frechos
barraca de Frassinetti
e um Silva poeta e umas
putas de agasalho em
Cuiabá
Carrancas do Paraguai
e de noite
matamos quatro veados
na fronteira
raposos e batistas e
portelas
"estão podres
— disse Luís — aos corvos"
e não comemos.
olvido Ayala
Maria del Olvido Ayala
inolvidava a noite paraguaia
quando
as águas gemiam
a guarânia
do Paraná bravo
ao Paranaguaçu
e bem à boca do
esteiro colocara Pero
dois padrões de
armas del Rei:
sem rei nem lei nem grei
tomei posse da terra
do rio dos Beguais ao
Araguaia
e do Araguaia ao Solimões
tomei a altura do sol
e era
no ninho de ouro, Marisa
Ocampo
lindado em terra argentina
ninho de ouro ninho de
estrela
em tuas coxas.
E noutra ilha eram alemães
italianos japoneses e
homens
que foram à India
e franceses:
"che crespúscolo!
che crepúscolo" — Napoleão —
exclamava Arrigone no
mar de Ilhéus
perdão, io sono
fiorentino"
e Nicanor Parra em Arica
cantava a cueca larga
a essa memorável
Catalina Parra
— e todos
eram espantados da formosura
desta terra
começo apenas
de teus pés
de onde
à bússola
pasmada o poeta
espantado de tua formosura
pergunta a tua estrela
o espanto
de tua formosura:
em material de estrela
o dedo encandecido
na página do chão
do céu do mar
e a gaivota e a garça
e o búfalo
te constelam
amada
boreal. |