Com o sol em onze graus
e trinta e cinco meúdos
de Sagitário
e a lua em vinte e sete
graus de Tauro
parti do rio dos Beguais:
de graus de Capricórnio
a graus de Aquário venho
caminhei caminho que
se corre aloeste
Cabo das Tormentas Cabo
Não
levava um bergantim com
trinta homens em pé
de guerra
e era uma ilha e nela
surgidouro
de cinco braças
de vasa mole
descobri um alto monte
a que chamei São Pedro
ao pé do dito
monte de São Pedro assei dois bodes
degolados
com água do mar
salguei e assados
lhes comi os colhões
e ao pé um monte
não São Pedro
monte de Vênus
quarto da prima
reclinada a cabeça
fui dormir
e é tudo formosura
neste monte
aí me tens aqui
me posso estar
aqui comecei de achar
água doce
e doce ar
na doce dor de caçar
o cansaço
no quarto da modorra.
E havia muitas perdizes
e codornizes
e outra muita caça
— e até fartar
comi a perdiz e a condorniz
assada:
da terra não me
fartei — a terra
é a mais formosa
e aprazível que jamais cuidei
não havia homem
que se fartasse
de ver
de olhar os campos e
a formosura deles
terras do Ceará
e Mel Redondo
as terras fêmeas
e os cerrados machos
e os canaviais, Pernambuco,
os teus
e as tuas colinas, Alagoas,
de lagoas e coqueiros
e teu campos, Miguel
Marcondes, entrando
pelos pulmões
ao vento matinal de Ponta Porã
Dourados
Serra do Amambaí
— ali o Paraguai — e bebe-os
Joaquim ainda temperados
ao sal marinho de Botafooo
e ao cheiro
da pólvora dos
clavinotes de Generoso Ponce
na guerrilha de Mato-Grosso
— e canto
as terras guerrilheiras
os cabras morenos
bebendo sangue no Raso
da Catarina, Nertan,
e o cadáver de
Antônio Conselheiro
espantando um exército
com suas tripas abertas
e sua cruz e seu rosário
e seu trabuco
e Saldanha da Gama arcabuzado
e as degolações
dos gaúchos — 1893-1895
o Barão de Serro
Largo matado a machadinha
e as matanças
do Desterro Moreira César
Canudos Contestado
Firmino de Paulo desenterrou
o cadáver do
guerrilheiro Gumercindo
Saraiva:
"as orelhas são
minhas" — diz o General
Rodrigues Lima em altos
brados — e
um major
separa a cabeça
do tronco
e o capitão-do-mato,
Abdias,
entrando , com seus cavalos
no povoado mineiro
e uma fileira de quatrocentas
e oitenta orelhas
de negros escravos penduradas
nas cangalhas
e Pinto Madeira bacamarteado
sem apelo nem
agravo
Pois canto a terra e canto
esses que foram plantados
nela
um Pereira, de Pajeú
de Flores, um Lopes, de
Várzea Formosa
e Maria, chamada Maria
Bonita,
a beleza de seu rosto
degolado
ao lado de seu macho
e capitão:
são o nosso caroço
na cova do chão — e aguardo
sua flor e seu fruto,
Clodomir, nas catas altas
de Minas Gerais, Hélio,
talvez
talvez em teus planaltos,
Salvador Romano,
Piratininga nossa, de
teus campos
Campos dos Goitacazes
de Adão.
Um dia pela manhã
vai se alimpar o tempo
e o bergantim nos leva,
Pero Lopes,
do tenebroso mar aos
rios de água doce
e em suas praias
vamos beber nossas pipas
de vinho e as ancoretas
de aguardente
e comer os colhões
assados dos bodes
e os ovos de emas e alcatra
dos veados caçados
e afrouxar os cinturões
e arrotar ao sol da tarde. |