Caminho ao longo da costa
sondando sempre
governando dois relógios
aloessudoeste
achava vinte braças
governando outros dois
aloeste
vinte e cinco braças
dava em fundo:
governador dos relógios
dispõe o coração,
amor,
a hora tua
e as horas todas do quadrante
horas
de todos os quartos
Dalva prima e modorra
e são todas as horas
o caminho da tua quando
o nordeste despenteia
as algas
a julavento de tuas coxas.
Assim é o mar:
súbito me salta
um pé-de-vento
sulsudoeste ao sul
com tempestade muita
e o mar mui grande e
grosso
quinze braças
de fundo de lama mole:
não me atrevi
fazer à vela
e à quarta do
sudeste mandei fazer um aúste de
cento e vinte braças
tamanha era a tormenta
e a nau metia
todos os castelos
perguntado o prumo respondeu
teu nome sob as
ondas
e vou caçando
as léguas e parece
o mar mais alto do que
a gávea
quebra-se o aúste
da âncora
e me faço ainda
à vela
contra rezam de marinheiraria
e quando
fui varar na praia e
pareceu-me
podia cobrar terra
quebra-se o traquete
em dois pedaços
e a ponta demorava a
lessudoeste: a uns
parecia cobrá-la
— outros
bradavam que arribássemos
era tão grande
revolta pela nau — que nos não
entendíamos:
mandei meter toda a gente
na coberta
o piloto tomar o prumo
e eu
me fui à proa
e determinei fazer experiência
da fortuna
porque se não
dobrava a ponta
não havia onda
varar
senão em rocha
viva onde
não havia salvação:
e prouve a Nossa Senhora
e ao seu bento filho
que a dobramos — e à
madrugada
surgias entre riso e
prantos
no galeão de Jânio
e Pellegrino
e quem soubera, amor,
se nos partimos
a mar mais alto a caravela
errante
sem cabres sem batel
sem âncora, pois
diz o piloto que vamos
à fortuna
contra rezam de marinheiraria.
Ruim o mar: meti
na caravela os que melhor
sabiam nadar
as armas metidas em uma
pipa funda por se não
molharem
dois barris de mantimentos
para oito dias
e mandei à caravela
que se fosse à terra
e surgisse quando não
desse seco e dali se fosse
nas jangadas que levavam
da nau francesa:
Michelle, aliás
Andrée, Michelle Taillandier
Dolly, Annie, Janine,
Claude talvez — quem sabe
Sylvianne
aos olhos ouros de Ginette
em quartel das ancas
entre a nau francesa
flutuavam no mar e ao
mar do boulevard, Anne,
Anne-Marie Aribeau asselvajava
os seios
à memória
dos ventos negros
do Senegal:
pisei a terra com assaz
trabalho
e pereceram muitos e
eram
lancinantes os olhos
do Senador Jucá
assobiando a toada à
interminável noite:
— vem, doce morte — e
a morte veio
o adeus na carta emburilhada
em perfumes
ce soir ou jamais — outros
morreram afogados
outros de bala e um
que morreu de pasmo:
de pasmo, Godo, continuamos
vivos
no bergantim de taboado
de cedro
e é pasmo estarmos
vivos
entre tantos mortos:
de que morreram tantos?
Talvez Francisco de inocência
o Capitão de seu
vigor
Geraldino da loucura
de flechas de Eros Magdalena
Maria Helena aquela noite
Edgar de um tiro de quarenta
e cinco
e de cansaço o
Senador
Pederneiras por seu whisky
Pedro por cerimônia
Bráulio por cumprimento
morreu Clarice de volúpia
pura
e em grande mar de mortos
navegamos
trincando o vento até
meia-noite e um dia
será dia de mortos
como todo dia
e João e Bernardo
e Clara
e os meus e os teus,
Efraín
se lembrarão de
nós então
no grosso mar onde navegam
saudosos bergantins a
ventos memoráveis:
na selva de Berrueco
o libertador arcabuzado
Che Guevara com sua dália
de sangue no coração
o filho de Amaralina
em mar de asfalto
Camilo com sua cruz e
seu fuzil
boiamos entre os mortos
Clodomir e boiam
na espuma cravos de defuntos.
Quem sabe um dia, de chapéu
na mão
a saudação
galante e antiga repitamos:
"perdão, Senhora
Dona Morte,
por chegar tão
tarde".
Nessa estrada paulista
a que horas, Vicente,
teu relógio parou?
Sabedor de amantes bem
sabia
hoje a doçura
das amantes cruéis
hoje a crueldade das
amantes doces
e quem achara a verdadeira
a que de amor se nutre
— quem achara
a imolada imoladora
rosa do cantor rosa do
bêbado:
a melodia de seu corpo
ouvi e no caminho
da Grécia
o poeta voltou por ela
as costas à condessa da
Itália
a melodia de seu corpo
ouvi
capaz só ela de
o sonoro corpo
o canto pleno ressoar
quando os cinco sentidos
peçam morte
morte
peçam vida
vida.
Para isto sou vindo
aprendiz da morte aprendiz
da ressurreição
da carne.
E uma noite tomou o Capitão
conselho com os
pilotos:
não se podia ir
pelo rio de Santa Maria Arriba
os mantimentos se perderam
as naus estavam gastadas
e o rio
era inavegável:
era a força do
verão e o verão
podia mais que a primavera:
mandou-me o Capitão
pôr uns padrões
tomar posse do rio em
nome del Rei Nosso Senhor:
e contra a força
do verão
sem mantimento em nau
gastada
por rio inavegável
em nome teu, amor, hei
fincado padrões
portos adentro portos
afora
e o meu padrão
entre peluda relva
na terra de teu ventre
memorável.
Vinte semanas por tornar
trabalhou Pero
e de seus bagos venho
quarenta anos trabalho
por não tornar de ti
desde a infância
de Carmen Neyde Araci
e Teresa, filha de Damiana,
puta da beira do rio
e todas
caminho de teu caminho,
Liberdade,
amor de amar até
à morte. |