Gerardo Mello Mourão 
Tomei o sol em trinta e dois graus e um terço
 
Tomei o sol em trinta e dois graus e um terço 
com um pé-de-vento do norte, árbore seca 
um dos bergantins não aparecia — dei 
um calabrete por popa pois não podia com a vela 
grande era o mar, com papafigos baixos 
fazia-me da terra vinte léguas 
do cabo da terra alta me fazia cinqüenta e quantas 
quantas, amor,
de teus dourados promontórios
quantas quantas
da sepultura onde cresceram
de teus olhos
verdes
relvas.
 
 

E até quando as naus em pairo?  O grande mar 
nos vem ter ao convés e meteu-me 
dois quartéis para dentro: entrou tanta água 
que entrambas as cobertas 
me nadou o batel: 
arribamos alagados 
até o quarto da modorra e andava 
o mar de sudoeste com o nordeste — cruzavam, 
que não havia homem 
que se nas naus tivesse:
na terra, Luís,
tanta guerra, tanto engano 
tanta necessidade aborrecida, 
no mar tanta tormenta tanto dano 
tantas vezes a morte apercebida 
no ar tanto fedor tanto mau hálito 
tanto raposo tanto aliomar 
tanta chuva de merda 
de um castelo de merda e esgoto roto 
descarrega resíduos de sarmentos podres 
portelas de Caronte e anabatistas energúmenos 
convocando a tríade 
de súcubos que devoram 
semente humana: 
mas em vão — que além
as serras que azulam no horizonte, Alexandre,
estão
semeadas de Mourões e os caminhos da Grécia 
semeados de Mourões e não morre Pero 
e de seus bagos venho 
da raça dos que descobrem o mundo 
e há uma raça dos deuses 
e uma raça dos homens 
e a raça dos que caminham 
entre os deuses e os homens 
de serras da Ibiapaba 
a montes da Tessália e sabe de Odisseu 
trincar as águas com traquetes limpos 
no bordo sagaz de sulsueste 
e naus ao pairo — e o vento 
se faz bonança, Godo, 
e vimos da gávea ao noroeste um fumo 
lançar a sonda e demandar o fundo 
e ao sol da primavera a bordo 
de Miguel e sua gaivota — e 
de uma vinha no mar 
coroados de pâmpano bebemos 
à saúde do Aconcágua e saudamos o Aconcágua
e depois da tormenta
é o quarto da prima é o quarto d'alva é o quarto 
da rosa e a terra é mui formosa ribeiros 
de água negra seus cabelos 
e muitas hervas e flores 
como as de Portugal e das rosas 
de vinho e do vinho das vinhas do mar 
somos os grandes bêbados cantando 
a canção incessante e da voz repetida 
repetem-se rapazes raparigas e 
o chão floresce e a caminho 
da ribeira da Grécia pelas ribeiras 
de Jaguaribe e Mel Redondo 
a Musa arrendonda as ancas caminhando 
e caminhar caminhando é meu destino, Alberto, 
estafeta de um Deus trago notícias — algumas —
da Grécia.

 

Índice Anterior | Índige Geral do Autor | Página Principal