Gerardo Mello Mourão 
Coaracy — te lembras? — Coaracy Gentil Nunes
 
Coaracy — te lembras? — Coaracy Gentil Nunes 
irmão de Janary, Pauxy e Amaury 
and other names ending in y: 
viajávamos deitados no chão de ferro do velho 
avião de guerra americano e bebíamos no 
gargalo
o áspero whisky contrabandeado da Guiana 
Old Smuggler, Long John, Red Label 
and other colour labels 
com o capitão-dos-portos de Macapá onde eram 
o rumor dos goles na guela e o estrondo 
do Amazonas no mar: 
as caboclas do Território 
dançavam com Coaracy, deputado federal galante 
e bom e todas
pediam:     — "Cora, dance agora uma valsa comigo"
— e Cora —
Coaracy Gentil Nunes dançava e dançou até
à madrugada e o filho
dos Mourões — Mourão
banhou-se no rio barrento com as duas índias de 
selvagens peitos
e as sibilantes cascavéis celebravam o cio entre os 
crótons e o Capitão 
dos Portos e o geólogo belga gargalhavam bêbados 
enquanto
o Tenente Garcia, boliviano exilado, saudava a 
tiros de pistola
os corpos nus tremendo na barranca onde jogavam 
patéticos a vida: e o amor era mais forte ao desafio 
da morte sibilada nos crótalos à aurora 
dos guizos do Equador.
 
 

"Mourão — dizia Coaracy — este é o marco zero 
da linha do Equador 
e aqui
começa o país de Capricórnio" — e era 
ali o crótalo da aurora — e do banho 
do Amazonas pus o corpo a banhar-se 
na aurora do Equador e no terror dos crótalos 
ao perigoso amor.  E agora, Tétis, 
quem irá golpear o invulnerável corpo
banhado inteiro aos crótalos da aurora do Equador?
 
 

E que não saberia do alvo que restou, Aquileus, 
e não lavado, pois 
pousa nele ainda o calcanhar de um deus — da 
Musa? — e mergulhado 
no sangue dos Mourões nas lágrimas da amada o 
coração
envolto em casca de amor em pele de saudade 
o carpo
de seu fruto oferece à pontaria hoje 
do deus de arco de prata: 
e sirvo para o amor e sirvo para a morte e sirvo 
formas de amor seios triângulos 
de onde os ventres se alisam, 
sirvo teus olhos verdes que me servem 
nos serviços da morte em que me empenho — nos 
serviços
de Afrodite e de Perséfone.
 
 

Naquele dia viajávamos ao sul do Oiapoque no
pequeno Beechcraft do Governador
e o boliviano exclamou: "vamos todos morir,
carajo!"
e aqui estou e não se enxuga 
no corpo invulnerável, Tétis, esse banho 
dos crótalos da aurora do Equador 
e voltávamos sem Cora, Coaracy, no velho avião 
Junker de Muniz, capitão negro
e nos despencamos do céu sobre as matas
amazônicas
e pálidos e incólumes sorrimos
entre rebanhos de garças de Arari e búfalos de
Marajó

e em sua casa flutuante sobre o rio o velho sírio
Abdala
possuía o segredo de marcar encontro com o
milagre e marcou
ao ritmo das águas do rio a montaria 
do missionário descia na corrente e a morte 
serena ia abrangendo o rosto maronita de Abdala 
e Cora — Coaracy — deputado federal galante 
e bom,
não se banhara ao crótalo 
da aurora — não trazia 
o corpo invulnerável:
espedaçou-se no Beechcraft explodido
todos muertos, carajo!
e nunca mais no marco do Equador 
a noite do Território nunca mais há de ouvir 
na carnuda boca das caboclas 
se juntar a seu nome 
convite à valsa.

 

Índice Anterior | Índige Geral do Autor | Página Principal