Desdonde arribei
dou conta de minha viagem
e bom sucesso
com grandes trabalhos:
apartado
do capitão-mor
Jerônimo de Albuquerque
me meti num rio e logo
ali começaram
bons semblantes de terras
e fui
com o capitão-mor
Pero Coelho de Souza
a descobrir e conquistar
a província de
Jaguaribe e Ceará e Mel Redondo
e Vossa Majestade
devia ser servido ordenar
que a Capitania do Ceará
fosse do governo do Brasil
— e ali cheguei
em seis meses de guerra
onde recebi muitas feridas
e tivemos muita batalha
com índios que eram
infinitos
e muitos franceses:
e degolei mais de duzentos
franceses e flamengos
piratas
e tomei três embarcações
e uma delas
veio a Sua Majestade
todas a proa e popa douradas
e
para fazer estes assaltos
me despia nu e me rapava
a barba
tingido de negro com
arco e frecha
ajudando-me dos índios
e falando a língua
e perguntando o que já
sabia. E eu, o Rei,
assinada e selada de
meu selo pendente
faço saber que
Martim Soares Moreno
depois de dezessete anos
de crua guerra
é meu Capitão
da Capitania do Ceará e um dia
o tomaram os franceses
e lhe mataram toda a gente
deixando a ele estropiado
com vinte e três feridas
e assim
o levarão à
França em prisões e ferros
onde o tiveram preso
em cadeia
fazendo com ele grandes
vexames
e gastou toda a sua vida
em contínuas guerras
atravessando muitas terras
do sertão
e agora o querem molestar
por suas dívidas
de que se endividou
a meu serviço
e a serviço da fé em Nosso Senhor
por amor do Jaguaribe
Ceará e Mel Redondo
e está a cento
e cinqüenta léguas do Maranhão
alonorte
e mais cento e cinqüenta
léguas de Pernambuco
e é ali a terra
de Martim — mastim
da matilha de Pero Lopes
de Souza
e de seus bagos venho.
Aprendiz da peripécia
ensino a peripécia
o mel redondo a náu
francesa
o tamarindo a cajazeira
o cedro entraram
duzentos degolados
e a rocha e o rio e a
palmeira
e o lábio da defunta
e os seios
de Laura Lillian na garçonnière
e a touceira de Elisa
palpitando
virilhas de cidreira.
Pois o aprendiz ensina:
e era às vezes
em seu ninho de acúleos
o pássaro dorido:
quem
pudera de novo
ao pássaro esquecido
de seu canto
ensinar a garganta?
Ao esquecido de si que
restaria
senão enumerar
os nomes
para a forma à
formosa e o chão ao sítio? Pois
era no país da
Paraíba a vila
do Ingá do Bacamarte
e uma garganta apunhalada
em Girau do Ponciano
e em São Miguel
São Miguel dos
Campos, Barra de São Miguel, país
dos Torres,
comemos moqueado o bispo
português
comi depois uma condessa
de Frankfurt enquanto
vinham
Margaret, Angela, Monique
a flor
de seus cabelos na flor
do aguapé das
lagoas e o Passo
de Camaragibe e o mar
de Maragogi por onde
Calabar
e a flor de ouro das
canas no país de Alagoas. E
ali
o velho Torres tivera
seu engenho Botija e era
um senhor de engenho
sem força de governo e perdeu
o que tinha no Botija
e foi obrigado a vender seu
engenho copeiro com suas
almanjarras e sua burra
seleira
e até morrer queria
comprar de volta o engenho e
recuperar o dinheiro
perdido:
— "não se meta
mais com esse engenho onde perdeu
tudo" —
e o velho teimoso e sábio
insistia:
— "onde é que
possa achar o que perdi senão onde
perdi" — e no sonoro
nome das terras de um
pais de água viva e doces
fêmeas
procuro e caço
o medo da morte
e o medo do amor
até morrer — e
às vezes súbito
no bergantim da noite
os teus olhos de ouro — e
ao luar
da pupila a rosa
de teu rosto a rosa
de teu nome ó
rosa erguida no mar em
haste de água — rosa
à minha lapela
— rosa
cravada sobre o coração
rosa em haste de sangue
e às vezes
haste de vinho e Sônia
e Sandra e Laura e Mônica
e vem Mylène de
cintura fina e Carmen e Laís e tu
rosa sem haste da impossível
noite
sobre o lábio
a arder
a cicatriz do beijo único:
pisa — disseste — a memória
desse beijo — e
quando
sua flor me despontar
de novo à boca cingalesa...
— e mais não disse
e às vezes
era sonhada e no sonho
seu moreno pé
esmagava as violetas
entre ruínas da Via Appia
antica e sua boca
estrangulado o beijo
queimava o gélido
vento da Flandres — e onde
buscar o que perdi senão
onde perdi?
E às vezes nem
o nome e tua beleza persa
sustenta o boulevard
e rememora
ao cantor o tom querido
e partida na mão
a flauta inútil
feito soluço o
que seria beijo
o que fora teu nome se
faz lágrima
angústia nos pulmões
o que seria
sobro na flauta
inominada amante:
um ao outro indizíveis
oh!
challenge to Venus!
Challenge to Venus!
Por isso digo tanto rosa
estrela mar
memórias de teu
nome, irmã
e da rosa e da estrela
e das águas — e às vezes
a noite do Equador nas
orelhas de Nena
tingia os teus cabelos
quem sabe em que pais
e norte e lessudeste
além de Jaguaribe
e Mel Redondo por onde
Martim Soares Moreno
e Pero Lopes
e de seus bagos venho
sobre popa e proa douradas
tingido de negro, de
arco e frecha e barba rapada
e nu na proa dourada
vou falando a língua:
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