Gerardo Mello Mourão 
Brejo de Areia sertão de Bruxaxá aos pés da
 
Brejo de Areia sertão de Bruxaxá aos pés da 
Borborema 
país da Paraíba — meu primo Bernardino 
mandou matar um major de Catolé do Rocha e
mandou
dobrar o sino a finados por sua alma 
e encomendou missa de requiem tenho parte 
nas mortes e nos mortos 
mos, moris — o costume 
mors, mortis — a morte — o coronel
estava precisando de matar José Possidônio,
ladrão de gado e ladrão
da honra de Mariana e Mariana
era filha do melhor vaqueiro do Sant'Ana do
Ipanema
e José Possidônio era um facínora temível 
bom no rifle e no punhal 
e Manuel Jesonias se ofereceu para fazer o serviço 
por quinhentos mil réis 
e Manuel Jesonias era pequeno, magro e amarelo 
e o Coronel perguntou-lhe se tinha mesmo coragem 
de enfrentar José Possidônio para serviço 
de morte:
"coragem, Senhor Coronel, eu não sei,
mas o senhor sabe, a gente tem costume" —
mors, mortis — a morte
mos, moris — o costume
et mors in more
moremortos me namoram e aguardo 
morigerada morte e morte e amor 
são costume dos machos 
no país dos Mourões 
onde ao canto dos galos nos quintais de 
cajazeiras responde 
o dobre de finados na merencória tarde — e paguei 
quatrocentos mil réis ao sacristão de São 
Cristóvão e os sinos 
dolorosos dobraram por três horas 
cortando o coração pela morte do adolescente 
espanhol no dia 
do Alcázar de Toledo: boa noite, Coronel Moscardó 
tenho parte
nessa morte nesse país de Espanha e mandei 
dobrar os sinos de Camaragibe pelo morto 
da guerrilha boliviana e os pescadores de Alagoas 
choraram por Che Guevara e tenho parte 
com os mártires tenho parte 
com o filho de Amaralina tombado em São Paulo 
o coração varado à bala — tenho parte ali 
e em muitos outros países de onde chegam 
as notícias da Grécia ao viajante — algumas 
eram trazidas pelas meninas suicidas — Fausta 
Carmélia, Mariasinha e Aparecida 
elegeram o salto da janela o gás do banheiro o 
lisofórmio
e Agostinho elegeu o abismo da Mantiqueira e
Godof redo
o tiro nos miolos e o bonzo de Saigon
a tocha humana — e eu venho tomar parte:
naquele velho almofariz de bronze, Hermenegildo,
farmacêutico
fazia infusões perigosas
procurei venenos lentos na flor 
dos dias e das noites e aprendi 
a morrer do dia de ontem da noite de amanhã 
desse punhal de amor:
 

na fulgurante lâmina a esmeralda
de teus olhos se parte
vem, formosa mulher, camélia pálida
que banharam de luz as alvoradas — e um dia
Arabela
ergueu-se do meio de seus vestidos de seda e clamou 
        pelo telefone:
"ela está morrendo!" — e depois,
Francisco Galloti pai da Pátria Senador da República
também
começou a morrer — e os olhos moribundos
invocavam
a teoria de fêmeas para nunca mais:
formadas em fila — suspirava — iriam
do cais do Rio de Janeiro a Florianópolis  e nunca
mais
e suspirava e ia morrendo aos poucos e morreu
e entre
generais senadores e ministros Helenita e as outras
figuravam
na teoria de lágrimas de seu enterro 
de pai da Pátria — tenho parte 
com os mortos e suas carpideiras 
e com o pássaro ferido sobre o chão de folhas 
tenho parte
 

E em cismar sozinho à noite 
mais prazer encontro eu lá 
as aves que aqui gorgeiam 
não gorgeiam como lá — naquele tempo gorjeavam 
Mary Galeno na casa azul de Ipanema 
e Clarice na praia de Niterói 
nde ainda não eram 

s verdes olhos bravios 
de tua face fatal 
verdes olhos que brilhavam 
como líquida esmeralda 
e os olhos que hoje gorgeiam
não têm o verde dos teus 
de lua de mar de ouro 
ó bela dos olhos de ouro 
pois naquele tempo tremiam 
os olhos míopes de Dalva 
miosotis de Francesca — e Else:
Else Wojeichowski acendia o leopardo de suas 
pupilas alemãs
entre lagos de cinza glacial de Margarida:
todas têm sua vez — sabe Abdias — e uma tarde
foi a vez de Giselda e outra tarde
foi a vez da Parca
Seme Jazbick surrado até à morte pela polícia —
e Nilza
formosa e colérica e os outros adolescentes 
choravam sobre
a sepultura do estudante morto — e a flor 
da vingança plantei no chão dos cemitérios 
Solrac!
Solrac!
                        Solrac!
doutores neutros cortavam sobre a mesa de mármore 
o belo corpo do negro Juvêncio e 
recolhiam

num pires de louça as balas que o mataram 
enho parte
e o poeta Augusto
bão bala-ão bala-ão
abençoava o inútil — e Carlos
Carlos José de Assis Ribeiro
sublevava o claustro dos jesuítas e Telmo 
Telmo Belo Borba Moura deixava 
sua carteira de dinheiro nas mãos do poeta para 
esta crônica e para 
tonsurar a cabeça e envergar o burel dos padres 
bentos
e neles tenho parte
e tudo era missão e éramos muitos
os adolescentes em flor
e a cabeça sagrada e a voz de mago
de Tasso da Silveira enchia a tarde entre as mesas
do bar
e entoava a Salve Rainha no chão do calabouço 
naquele tempo e cantava — e tenho parte em seu 
canto.
 

Depois,
Clodomir sublevava os camponeses no país do 
nordeste
e se dizia
que o Doutor Aguinaldo, fls. 38, tinha chamado o 
Sargento Severino Paulino para cortar o 
pescoço de João Pedro
que a fls. 63 consta o seguinte: que o povo do Pilar 
comenta com muito cuidado
que a morte para matar o camponês João Pedro 
partiu do Doutor,
que por volta das oito horas o interrogado falou 
com um vaqueiro de nome Arnô Claudino, 
morador do Engenho Recreio, de propriedade 
do Doutor, na porta da mercearia,
junto à farmácia, no Pilar,
que, aceitando o convite, recebeu, cerca de uma 
hora da tarde, um cavalo castanho, meio 
vermelho, das mãos de Arnô, 
que, nesse momento, o soldado Antônio Alexandre
recebeu também um cavalo melado de Arnô,
o qual montava um cavalo também melado;
que os cavalos foram distribuídos em uma cocheira
que fica por trás da cadeia, em uma casa dos filhos 
do Doutor;
que, nesta cocheira, ele, interrogado, se encoirou 
em calça perneira e botou gibão e chapéu 
de couro de vaqueiro,
que o gibão e a dita perneira podem ter sido assovelados 
em Tamboril, parecendo ter mão e marca
de mestre Florêncio,
mas o chapéu era mesmo de Campina Grande ou 
Guarabira que são tal qual os de Jacaré 
dos Homens nas Alagoas; 
que, já encoirados, seu companheiro disse a ele 
declarante:
se nesta terra
existissem mais quatro homens da raça do Doutor 
este negócio dos camponeses se acabava — e 
rematando
disse ainda a ele declarante, referindo-se ao doutor: 
ô velho macho! — e os velhos 
e os moços eram machos e encoirados 
em seus cavalos melados assustavam 
a cana peojota e as raparigas morenas 
e os últimos rifles estrondavam 
na várzea em flor ao pé 
das Borboremas azuis e tenho parte 
na várzea na Borborema e nos últimos rifles e 
dos primeiros deles em meu rosto resta 
o afago calejado de meu avô 
o cheiro da pólvora de sua mão bravia e essas 
são noticias do caminho da Grécia, Clodomir, 
e à beira dele se colhiam 
jaboticabas no quintal deIpiabas e nos olhos 
de Dalila, a de pele de pêssego, irmã de José Pedro 
e o cavalo
Sultão se empinava em frente ao quartel e ali 
o Sargento da Remonta tinha leito 
com a mulher e as duas filhas — agora, mais com 
as filhas — diziam
"um monstro! um monstro!" e o velho sargento 
alagoano adoçava
os olhos e as mãos nas coxas das filhas tímidas 
e emprenhava os próprios netos e tudo 
era missão: Nenen Pegas descascando a lima da 
Pérsia e rindo sob os limoeiros em flor 
com seu cabelo à la garçonne 
e Sinhá e Mara de olhos boreais e as plantações de 
fumo de meu tio com seus pendões floridos
Cípria — dizem — ao pé do Céfiro 
das belas águas brotadas largou 
sobre o país as brisas suaves 
dos ventos moderados — e era brisa e regato 
em torno ao corpo sobre folhas de Isabel — e Gregório 
seu pai
era ferreiro e forjava
freios de cavalos ferraduras e malhava a bigorna e 
fabricava aros para rodas de carro de boi 
— e os carros 
desciam pela estrada matinal 
com fueiros de canela cheirosa e eixos cantadores 
de peroba da serra e Isabel 
gemia e em seu pistilo rosa 
de ouro era forjada — e Mascarenhas artista ourives 
de Crateús forjava 
medalha milagrosa e cordões de ouro 
e o filho dos Mourões
Mourão sonhava

alhar em pedra e flor e nuvem 
rosto de Musa — e talhadas 
as grandes melancias da Várzea dos Mello e os 
melões olorosos e entre
os cajás amarelos o rosto 
de Abigail talhar na boca 
e os bogaris mordidos e aspirados 
na noite de Ipueiras — e aspirei 
quanto pude a violeta divina 
da serra ainda azul nos horizontes 
do verde mar dos verdes mares 
ao mar purpúreo da Jônia e a alga 

e pegava à minha cabeça e as ondas 

odas as tuas ondas e as tuas vagas 
passaram por cima de mim 
as águas me cercaram e no sítio das águas 
me rodeava o abismo 
das verdes rosas perigosas — e a terra 

 as águas me rodeiam para sempre com seus ferrolhos 
e às vezes
vira a náu nos bordos da terra 
com os papafigos baixos
perto da ilha das Sereias e batem os grupetes na
pedra
e o canto mergulha no coração a sua cimitarra: 
desci até aos fundamentos dos montes e das águas 
homem ao mar! homem ao mar! — e nas ondas 
agarra-me pelos cabelos, Eurumedusa, 
boiando a flor akanguera a degolada cabeça 
negra na bandeja das águas verdes 
sobre espumas de ouro. 

 

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