Gerardo Mello Mourão

Um dia as orquídeas se abriram sobre

Um dia as orquídeas se abriram sobre olhos oblíquos de Magdalena antes da âncora da dor numa angra verde e antes de partir-se teu rosto da romã antes, vadio com seu cão e sua flauta pelos montes o poeta vadiava e farejava as garrafas de whisky, a virilha das francesas e eram baralhos de bacará e roletas de ouro — a bolinha de marfim cai no sete cai no zero cai no preto no vermelho a bolinha de marfim cai não cai onde é que cai? Valencius Wurch, echt deutsch barão da Pomerânia usava polainas e chapéu gelô e seu nariz usava um olho cego de um lado e de outro um monóculo inútil e era a glória das namoradas da Rua do Senado e Monsenhor Manuel Gomes, prelado doméstico do Papa, pastoreava o bairro de São Cristóvão com seu cajado do país da Paraíba e Manuel Machado, depois doutor em leis, depois capitão de tropas expedicionárias e herói da Pátria guardou no coração um estilhaço de granada alemã e com o belo cravo de sangue de seu peito visitou a morte num campo da Itália e tornou, virgem e alegre, à Rua Mem de Sá e casto ao medo e intemperante ao perigo o filho dos Mourões Mourão pastava adolescentes, cônegos, roletas e janelas de trem de lira a tiracolo e essas são notícias da Grécia do caminho da Grécia onde às vezes perguntava o sol ao quarto d'alva e Dalva Dalva Silveira navegava o sargaço nas virilhas aloeste de seus promontórios trêmulos dei toda as velas. Sabia de naus francesas por ali com muita artilharia e pólvora e abarrotadas de brasil: fiz a vela no bordo do sul fui quatro relógios e ao meio-dia era na esteira da nau duas léguas dela e não podia cobrar terra cheguei à nau e primeiro que lhe tirasse me tirou dois tiros: antes que fosse noite lhe tirei três tiros de camelo e três vezes toda a artilharia: e de noite carregou tanto o vento lessueste que não pude jogar senão artelheria meúda — e com ele pelejamos toda a noite: em rompendo a alva mandei um marinheiro ver: via uma vela — não divisava se era latina se redonda. E que me importa a mim que veja ou que não veja se cumpriu toda a cerimônia de ver. E essas são notícias da Grécia do caminho da Grécia e o valete bicéfalo tangia ora a espada ora a lira ora a esquina ora o mar — e Nilo Nilo José da Costa achara no subúrbio de Campo Grande a lua — e achara seu verdadeiro nome e era Marcus Sandoval e de suas mãos antes pendiam o fio da navalha e a tesoura sábia — e delas nunca mais rolaram cabelos de macho no salão de barbeiro rolaram as mechas da lua fêmea — lua — disse o vento — mostra-me a graça feminina das tuas bailarinas e ao sopro do luar sussurrando ao ouvido das árvores quietas todas as frondes num deslumbramento bailavam aos levíssimos do vento o bailado das sombras pelo chão e Marcus Sandoval penou degredo na Ilha de Fernando Noronha Fernam de Loronha a nornordeste por ouvir o filho dos Mourões e por tanger espada em vez de cítara e a morte se hospedou em seus pulmões e dorme no cemitério de Campo Grande e nunca mais um soneto foi pedido nos botequins do subúrbio e nunca mais o silêncio da noite doeu na serenata onde andará o violão de José Carlos e a rouca voz de Orlando Carneiro amigo íntimo de Jesus Cristo escande agora em vez da ode os códigos da lei Meritíssimo Juiz da Vara Cível trauteia agora a dodecafônica demanda cite-se o réu — e testemunha debaixo de vara sou citado e desde as 7 horas do dia, Pero Lopes, até o sol posto pelejamos sempre: a nau me deu dentro na caravela trinta e dois tiros quebrou-me muitos aparelhos e rompeu-me as velas todas: estando eu assim com a nau tomada chegou o Capitão Irmão com os outros navios e Francisco Francisco da Gama Lima servia o mel e o pão o coração fraterno de José Ribas e fazia o pelo sinal da santa cruz com a mesma lágrima e o mesmo mel junto ao cadáver de Anísio Teixeira onde era o pranto da filha derelicta. E vinha a nau do Capitão com Pedro Maranduba carregado de brasil trazia muita artelheria e outra muita munição de guerra por lhes faltar pólvora se deram — na nau não demos mais que uma bombarda com um pedreiro ao lume d'água: com a artelheria meúda lhe ferimos seis homens na caravela me não mataram nem feriram nenhum homem — de que dei muitas graças ao Senhor Deus. Noroeste e sulsueste se corria: ao longo da nau eram tudo barreiras vermelhas vieram da terra a nado às naus índios a perguntar-nos se queríamos Brasil: carregado de Brasil quero Brasil e as naus carregadas de Brasil se preciso, com muita artilharia e bombarda e ainda abalroar as naus estrangeiras quebrar a espada aos coronéis piratas e passá-los a fio de espada boa e partir a caminho da Grécia em nossa caravela abarrotada de Brasil com Pero Lopes de Souza e de seus bagos venho, com grande lastro de Brasil. Ao sair da lua abonançou-se o vento e era o quarto da prima formosa no mar de seus cabelos Dora Maria Mourão — Dora Correia Lima no quarto da modorra no Leblon era meio-dia e parecia noite e o relâmpago de ouro de teus olhos cortava a tempestade dos cabelos e o mar tão grosso me entrava por todas as partes com o jogar da nau de ventre liso Dora afagada à brisa ao faro das narinas: houve vista de montes e era mui alta a maravilha em teu monte de relva e hoje me faz dela dez léguas e dez línguas noroleste a costa se corre nornordeste e susudeste — Dora — e toda longa ao longo do mar no sertão serras mui altas e formosas haverá delas ao mar dez léguas — e a lugares, menos e haveria às altas e formosas colinas tuas dez beijos aos teus seios e a lugares, menos, e à noite veio o piloto-mor no esquife e súbito são dez mil léguas de memória a esses seios e a lugares, mais. Perfundo de cinqüenta braças d'área limpa o cabo de pareel que jaz ao mar da banda sudoeste aloeste e a tuas partes loessudoeste: quando fui fora do parcel eram serras mui altas sudoeste sob a cintura túrgidas redondas à mercê de tomar prumo e com Mercedes Martins a prumo vou mordendo a maçã em labirinto e mar a caminho da Grécia onde esperavam entre orquídeas olhos oblíquos de Magdalena.


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