Gerardo Mello Mourão

E onde o sítio do desejo? Pois moreno

E onde o sítio do desejo? Pois moreno e triste sôbolos rios era; ao longe o país dos Mourões e ao longe o país de Apolo e para lá me vou nas caravelas de Pero Lopes de Sousa e de seus bagos venho. E as moças de Jaguaribe em lua e cântaro? Restavam — e era muito — as montanhas de azul sôbolos rios do país das Gerais e a espera de medrar-me afinal dos profetas de pedra "Amós, digamos", Dantas, que em chão de salmos e escrituras sangra bela é no cactus a rosa da peripécia: em vão lavrada n’água sôbolos rios a escritura do canto do exílio se apagava. E onde o sítio do desejo? Entre a camisa e a pele ia brotando a rosa no coração talvez palpitasse em seu mapa de uma rosa dos ventos a corola tersa labareda sobre o coração. Ó país das Gerais onde "o cantar dos galos é terrível na solidão" e onde terrível é a saudade de umas terras que a tristeza amua, saudade de Airuoca onde andam formigas, Carlos, no cobertor vermelho de teu pai e o doutor de Sião por nome Dantas Dantas Mota vigia a dor no peito e em vão o guarda o cachecol de seda quando ao vento montês instalam-se os soluços e as sanfonas. Pois cantar de Sião também ali pastei estrelas: e por longos anos o exilado sonhava exílios novos e ao tom dos sinos e à sombra das cimarrras dos padres professores suspeitei tua voz: e de que lado do mundo é que as auroras nascem? E de muitos outros países me pediram notícias pois podes pedir-me agora notícias de muitos outros países tenho notícias de muitos outros países — boa romaria faz quem em sua casa fica em paz — e mau romeiro há sido o filho dos Mourões debaixo de seu chapéu fez moradia: pisando o chão de suas casas moram uns com seus pés — e sob o céu populoso das constelações caminha esta cabeça moradora: e o que mora de mim são estes cabelos inocentes e a testa e os pasmados olhos: agora tu, Calíope, me ensina as imagens não vasadas no vasado olho de Luís Vaz le roi Edipe a peut-être un oeil de trop furente Adamastor comeu um olho ao filho dos Mourões e onde foi pupila hoje é ruína de templo e de mansão e às vezes temo não reste de tanto rosto desejado senão sobejos na poeira onde rolaram as cascas de laranja devoradas. Mas onde o sítio do desejo? O mar, o mar de Pero nos rolava para terra e não podíamos surgir porque o fundo era de pedra outro dia ao meio-dia fomos dar à praia ali, achamos uma nau de duzentos tonéis e uma chalupa de castelhanos e em chegando nos disseram como iam ao Rio Maranhão e o capitão lhes mandou requerer não fossem sôbolo rio porquanto era de El-Rei Nosso Senhor e dentro de sua demarcação — ali tomei o sol em quinze graus e um sesmo e em se cerrando a noite com muito vento nordeste o galeão São Vicente perdeu duas âncoras em se fazendo à vela e a caravela Príncipe uma o surgidouro deste porto é todo sujo já não posso com as velas e o grande mar arrebenta-me o mastro do traquete pelos tamboretes e engole minhas âncoras abaixamos o mastro um côvado pusemos-lhe umas emmes e com arrataduras o corregemos o melhor que podemos e gastamos todo o dia em correger o mastro — mas onde o sítio do desejo? Demorava-me, verde, o Cabo Verde ao nordeste e tomava da quarta do norte, e roxo o Cabo Roxo a lesnordeste e demorava-me a Serra Leoa a leste e à quarta do nordeste fazíamos o caminho a sulsueste: neste dia nos morreu um homem o dia todo estivemos sem vento até o quarto da modorra e de noite, ao quarto da prima nos deu uma trovoada de sueste e outra de nordeste com muito vento e água e relâmpagos. Naveguei navegamos água vento relâmpago entrâncias do labirinto de Gerardo quartos de primas — Dora, Mariana, onde eram doces tempestades e caminhos do sítio do desejo quartos da modorra depois: todo animal entristece depois do coito. Gran força de vento nos fez amainar de romania as velas tomei o sol em dois graus: demorava-me a ilha de Fernão de Loronha ao suleste e ao sudoeste demorava o Cabo de Santo Agostinho o olhar de Santa Mônica nesta paragem correm as águas aloesnoroeste e em certos tempos correm mais assim que nesta paragem a pilotagem é incerta: por experiência verdadeira para saberdes se estais de barvalento ou de julavento da ilha de Fernão de Loronha quando estais de barlavento vereis muitas aves — os mais rebiforcados e alcatrazes pretos e de julavento vereis mui poucas aves e as que virdes serão alcatrazes brancos e o mar é mui chão: entre alcatrazes pretos e alcatrazes brancos por mar mui chão por muito chão de mar por mar e chão de chãs de terra de Alagoas às vezes a um tiro de falcão do abismo se arrisca à peripécia de Gerardo e incerta é a pilotagem do perigo e Raul e Efrain e Abdias e Godo e Napoleão e os outros capitães, Francisco, tapavam os olhos com a mão sacudiam a cabeça e tremiam pelo navegante cheios de misericórdia e terror: "Carlos — diziam — Carlos, o temerário"— e era Gerardo entrando, amor, Gerardo em seu labirinto e cada qual teria o seu: jogava Juan y su laberinto de papel Agustín y su laberinto de farsa Godo y su laberinto de estrelas Abdias e seu labirinto de bocetas Francisco e seu labirinto de anjos e Tomás e seu labirinto de maçã e vai morrer mordendo a fruta do primeiro Adão Tomás talvez o último Adão mordendo a sua fruta e a fruta de todos esses labirintos tem o mesmo sabor o mesmo aroma: assim, digamos, Gerardo em seu labirinto navegava farsa estrela papel bocetas anjos e maçãs Mas onde o sítio do desejo?


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