Balbuciei-lhe o nome e na penumbra
esboçaram-se os olhos e os cabelos
e a boca e o gesto demoraram juntos
no espaço de onde ainda
não resolvera despedir-se o Anjo
esboçaram-se os olhos e os cabelos.
Balbuciei-lhe o nome e na penumbra
ia sílaba à sílaba o seu rosto
ousando a testa os lábios as maçãs;
das sobrancelhas o arco
confundia-se à auréola às asas quando
balbuciei-lhe o nome na penumbra.
A boca e o gesto demoraram juntos
tal na mesma corola cor e aroma
e eis que o mesmo logar no espaço a um tempo
ocupavam os dois:
o Anjo desatava na garganta
o nódulo do infante com seu módulo.
Começava a crescer; e as raparigas
e as cirandas à noite, ao canto em roda
iam acostumando o gato a rosa
a conhecer-lhe o nome e o meneio
do corpo ao atender
à laranja à cantiga à blusa azul.
A blusa azul do marinheiro à porta
foras talvez o Anjo de Tobias
que voltava em criança disfarçado
para a minha viagem
foras quem sabe uma resposta ao céu
criança mesmo — disfarçado em Anjo?
Foras quem sabe uma resposta ao céu
onde demoras desde tantos maios
acostumando a lua a estrela a nuvem
a conhecer-te o nome
e a decorar teu gesto de atender
à laranja à cantiga à blusa azul.
Ia sílaba à sílaba o teu rosto
compondo a melodia de teu nome:
se nele se empenhavam brisas deuses
e garotos da rua
eu mesmo desatei na minha boca
o nódulo do infante com teu modulo.
E um dia eu te chamei — ia chamar-te
e na escala da boca o solfejo do nome
nas cordas da garganta o roto violão
quebrou-se num soluço:
tu entre as flores tu entre as velas
tu entre as mãos cruzadas sobre o peito
tu entre o azul e o roxo e a palidez
ao longo desse lago de cedro
tu entre o dobre dos sinos
já flor já bronze à brônzea flor da mesa
tu nunca mais.
A boca branca erguias para sempre
a palmeira da primeira solidão.
Branco embora o bangalô da morte e a cruz coberta
de madressilvas e de primaveras
como amarias como cruzarias
salas e camarinhas enterrado?
Tu que amavas paletós
botinas amarelas e cavalos
tu que amavas o rio
e a poltrona da avó e um copo
de alumínio e os potes de água fresca
tu súbito a boca
cheia na véspera de risos a boca
cheia de terra cheia de raízes.
Tu tão recente súbito imemorial
eu aprendi contigo a despedir-me
a partir e a ficar — tu me ensinaste
a duração das flores e a madurez dos frutos.
Aprendi o percurso
de janeiro a dezembro
aprendi a distância que separa
o sábado e o domingo
e na ponte de brisas que reúne
maio a maio
a estrela de teu rosto se acendeu no tempo
eterna.
De teu rosto vivo de teu rosto morto
trabalhei o cedro e resultei
este aprendiz do amor
este aprendiz da dor
este aprendiz da solidão este aprendiz
de sepulturas e ressurreições.