Gerardo Mello Mourão
Exilado e Romeiro ia Crescendo
 
 
                        Exilado e romeiro ia crescendo
                        em idade e desgraça e às vêzes graça
                        sôbolos rios, sôbolos montes, sôbolos dias
                        romeiro ia crescendo
                        crescendo juntos 
                        a lira a tiracolo, o revólver nos quartos 
                        o falus-potro,
                        os merencórios olhos.
 
 

E era uma vez Pedro Simão, dito Bar-jonas 
e tocava berimbáu e dava saltos mortais 
na beira das calçadas
e morreu num duelo à faca 
sobre o vagão do trem veloz 
entre o Ipu e as Ipueiras 
e, o coração varado, o corpo nu 
produziu o verdadeiro salto-mortal 
e era formoso e odorífero o súbito cadáver 
entre as touceiras de capim-cheiroso: 
assim morreu Pedro Simão, dito Bar-jonas, filho bastardo - 
diziam - de um Coronel da raça dos Mourões
e Gesuino morreu num domingo de feira 
de uma só morte com seu primo Laureano Mourão 
e os dois amavam a mesma
prima de olhos redondos e dourada pele 
e juraram lutar por ela até morrer 
e um ao outro amarraram o loro ao cós das calças 
e o cinturão e os corações jungidos 
as rutilantes lâminas cruzaram 
nem se afrouxava punho e as parnaíbas de cabo de osso
faziam parte da mão
e durante tres horas de luta a prima atônita 
hesitava escolher e a morte atônita 
hesitava entre o tombo dos corpos 
envoltos afinal num só lençol: 
pelo mesmo sangue se banharam 
a mesma lágrima os chorou nos olhos de Francisca 
e o mesmo túmulo acolheu o caixão de pau-d'arco 
das matas de Água Verde: 
entre cargas de rapadura e cangalhas viradas 
entre surrões da branca farinha da serra, entre ancoretas
de aguardente do Major Borete Mourão 
no chão da feira de domingo 
dia de quermesse e leilão no patamar da igreja 
assim morreram Gesuino e Laureano Mourão: 
causa mortis - os olhos de Francisca 
e é por olhos de fêmeas que partimos 
os filhos dos Mourões às romarias 
da vida e às da morte:
 
 

                                                vem, formosa mulher, camélia pálida, 
                                                vem com teus olhos verdes 
                                                marinheiro a ora sôbre eles
                                                quem não vira a jangada, o cisne 
                                                e o touro à beira-mar 
                                                na angra de esmeralda 
                                                do país de Apolo?
 
 

Dormem Elisa e Eufrásia e meu pai dorme 
sob a cruz de ferro e um dia 
de seu pampo estradeiro Zacarias 
rolou: e a moita de cidreira 
que escondera o sinistro caçador de Mourões 
guardou em seu perfume o corpo ensanguentado e o gibão de couro 
e ao aroma do sangue e da cidreira 
comecei a narrar ao olfato, amor, 
a lição da violeta ao ar de Eleusis 
ah! deixa-me pastar a erva em tua mão, 
e aspirar quanto possa a flor divina 
em tua nuca
de ouro
em teus dois peitos
gêmeos de ouro:
                       
das moitas de cidreira sou caçado 
e ao aroma silvestre e à morte rude 
cheira o corpo dos machos 
no país dos Mourões 
e Zacarias, senhor 
de engenho das Vazantes e da Várzea Formosa 
carregava na cabeça um chapéu de couro de oito quilos de peso 
e meses e anos o chapéu 
parecia de bronze
espetado sobre a cruz das almas         
à beira da estrada onde tombou seu dono: 
pesa a memória na cabeça dos machos 
da raça dos Mourões e o peso dela 
dá sombra às sepulturas onde 
floresce a flor vingada de meu nome; 
com esta flor na mão ao teu encontro ao longo 
dos dias e das noites me parti