Onde agora
A forma
restauração da rosa espedaçada? Onde
o rastro onde o gesto onde a maneira
da corola outrora?
E bem que possuías. Bem que de teu sopro
batidas desprendiam-se e caíam:
era o canto, era o aceno a aparição
na sílaba caindo de teus lábios
pétala à pétala apagando-se a flor
pétala à pétala a tua boca o fruto
do enigma com seu rumo.
Restaria o perfume restaria
o ouvido tantas vezes ansioso
a espera alguma noite de um rumor qualquer
que não sabemos bem:
da pedra agora lisa onde palavra
e riso foi teu rosto apenas
água e limo descem:
quem sabe que lembrança de teus olhos
de tua lágrima?
Ora de fogo ora de água ora de ar
brotava e transitava a palavra de Apolo
e foi-se transformando tudo em cinza
areia
soprada
e um sino às próprias badaladas gasto
e as ondas de seu som desmaiando se esquecem
do caminho da volta à cor primeira.
Ai! poder trazer-te nos aflitos olhos
o aflito coração populoso
da mudez dos perfumes e das sombras
em busca de seu corpo e sua essência
seu número e seu nome.
Ai tempos de Apolo tempos de púrpura
ao ritmo de teus ombros e teus braços
à regência
de teus lábios:
ai tempos de outrora tempos de púrpura
hoje mortos contigo
e do silêncio de teu corpo agora
como erguer o sudário em que as auroras
se amortalharam sobre a tua boca?
Eram de ti nas mãos de amantes e guerreiros
hexágonos de luz
dormirias no bosque, ó dos contos de fada,
para acordar um dia e a festa ser de novo?
O luar do mistério iluminava os cegos
pudessem hoje o príncipe e o guerreiro
ao fio de tua voz governar seus cavalos:
pelas alamedas
nunca se perdiam teus aflitos.
Ai de nós, ó morta, a solidão de agora
nos diz tudo de nós. Sombras e espelhos
dizem de nosso corpo e as mãos no espaço ajustam
a resposta das formas já medidas
e os abismos nos faltam os abismos
de rosas e de lírios:
tu, nome de aroma
tu, mistério conosco.
Junto ao teu esquife debruçados
morta — já nada te perguntaremos
decifrada e fatal em teu sarcófago:
sobre teu lábio agora as chaves são de cinza
e do mistério morto o pulso
nunca tomaremos:
fora belo rasgar os vidros de amanhã
ao sopro de diamante dos oráculos.
Que importa também fosse insondável abismo
a tua voz?
Ao mistério o mistério respondera:
já ouviste no vale o eco mensurar
a trompa matinal dos caçadores:
tal na rosa acontece o perfume
e a rosa é sugerida.
És morta e de teu seio
o agouro das estrelas já não bole
no coração por onde medram
da garganta à boca os musgos
e apascentam a pedra do silêncio.
Foi banida de nós a noite a mera noite
e banidos o medo e a treva e o silêncio
da noite em que falavas.
Entanto às vezes quantas vezes
uma saudade chega e um instante parece
noite
eterna solidão de eterna noite
e teu último poeta fere na pedra a boca
súbito, lembrada de teu nome