Gerardo Mello Mourão
Naquele tempo
Naquele tempo
não só de fêmeas se ocupavam os machos
no país dos Mourões onde eram bacamartes e clavinas
in illo tempore,
Das coisas de suas vidas
mulher pistola aguardente
foi feita a morte de muitos
esta é a terra do sol e o sol
e a cobiça sagrada dos Mourões
brilham entre os canaviais e as ramas do algodão:
sangrados por ferro às vezes
por essas léguas de terra
em sete palmos de terra
muitos dos nossos caíram;
mas muito mais se acabaram
à boca de nossos rifles
e à ponta de nossas facas
os Muquecas sem caráter
os pulhas dos Maciéis
e os ignóbeis dos Montes:
não só de fêmeas se ocupavam os machos do país dos Mourões
naquele tempo:
ao seu vigor ergueram-se e deitaram-se
para a vida e para a morte
as coisas os logares as pessoas.
Saibam quantos
fls. 17, Livro I, do Cartório da Vila:
Não se lhe monte homem que não seja bem nascido
não se lhe imponham arreios que não de prata, e sela
seja só de vaqueta bem curtida e assovelada por mestre Saturnino
nela não se monte quem não seja filho legitimo nem
gente de polícia e outras laias baixas
e de meu cabedal, a mais do que se tire para freios de prata que não
entrem nunca em boca de outro animal
e estribos de prata
deixo cincoenta contos de réis à minha burra de sela Graviola
e enquanto ela viver se compre milho da safra sem gorgulho
e seja sua água de cacimba limpa
pagando-se aguadeiro e moleque de estribo e o aguadeiro
e o estribeiro podem ter jornal até meia pataca e nunca menos do que
o pago no eito aos filhos do Távora e outros inferiores de minhas terras
e este
é o testamento do Coronel
Alexandre de Barros Mello, pai de minha avó
apostila ao codicilo
depois de minha morte não se empreste dita burra de estimação a oficiais
de Ordenanças ou de Guarda de patente
inferior à minha e dentre os clérigos
somente ao Senhor Bispo.e nunca a simples vigários e cônegos
ou freires estropiadores de cavalos e nunca
a partidários inimigos nem mascates levantinos como Jereissati e seus paridos,
todos ladrões bargados de rabo branco e raça frouxa e sempre
à frente do cavaleiro que a cavalgue marche
em sela bem luzida um pagem vestido de pano vistoso ou todo encourado,
de mosquetão à lua da sela tal
qual os pagens de meu hábito ou do hábito
de meu primo, o Coronel Quintino Benjamin à moda
dos senhores de prol de meu sangue e país e em tudo
nesta e noutras partes este meu testamento
que de lúcida mente e no uso e gozo de minhas faculdades mentais
de meu direito e cabedal ora disponho e se cumpra e em tempo:
à liberta Caetana, que engomava meus uniformes brancos e brunia
os botões de ouro, disponho
lhe seja pago até o final dos dias
como se seguisse engomando e brunindo depois de minha morte
ditos uniformes serão guardados em arca de cedro engomados e
abotoados de ouro
como eu os envergava na praça da Vila em dia de gala à vista das
gentes montado em minha burra Graviola cercado
de meus parentes e aderentes e assim sejam
em todo este país dos Mourões que Deus os ouça louvados o meu
nome e a grandeza dos bens de minha fazenda
por toda criatura racional e irracional
homem, alimária e coisa. E assim
Deus me ajude
e Manuel Mourão, meu irmão, que tem bom talhe de letra e sabe de
escrituras deposite
perante testemunhas este testamento
com todas as suas partes
em cartório quando
haja eu depositado nas mãos da Misericórdia e da Glória increada
o testamento de meu cabedal
em pensamento, palavra e obra
de quanto foi e será
Alexandre de Barros Mello, Coronel das Ordenanças da Cavalaria do Império e Coronel
da Guarda dos Povos.
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